segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

. [do livro de cartas] enquanto flor .

minha querida Alice,

aqui, nessa cidade com tantos perfumes e flores, lembro-me de você a cada esquina. parece que todas essas cores que encontro, e que fingem existir apenas desse lado do mundo, foram roubadas do teu jeito de sorrir e de viver tão delicadamente. 

não devo mentir para você, Alice: dói pensar na tua forma de me esquecer. pois se bem sei, ela é tão definitiva quanto nossa noção de infinito. mas penso também, minha pequena, que no fundo, nunca esquecemos por completo: vai sempre existir, em algum canto qualquer, algo que nos faça lembrar do amor que tivemos e teremos por toda a vida, tão aceso dentro das nossas memórias, que é capaz de iluminar nosso coração inteiro.

hoje, se sei tanto sobre mim e tão pouco sobre ti, é porque aprendeste a beleza do silêncio e isso diz muito sobre as coisas bonitas que carregas dentro de si. é também, Alice, porque o tempo e essa minha distância escolhida, bem sei que fecharam teu coração para as desventuras do meu e, tão áspera responsabilidade da liberdade, sei que carregarei comigo por todos os voos.

não lhe peço perdão, nem espero que compreendas tamanha confusão solta nas linhas desse bilhete. mas não deixe, querida, que voz alguma desacredite o passo do teu coração, nem te atormente com amargas melancolias. guarde os olhos baixos para a chegada do verão.

enquanto isso, proteja-se do sol e da dor.

com afeto,
Salvador.





domingo, 2 de dezembro de 2018

. zelo .

escrevo num pedacinho de papel de pão, a palavra - aquela - que gostaria que lesses ao acordar.
aprendi a cuidar do tempo com zelo e com a mesma delicadeza das mãos vazias, que um dia se preencheram da tua dança.
coleciono memórias, como um álbum de figurinhas, que abro todas as manhãs só pra garantir mais um verso, dentro dessa vida que me escolheu.
"amanhã eu te esqueço. hoje é ainda cedo demais".
porque se te deslembro, perco também o jeito da poesia. tanto aquela que transborda na ponta do lápis. quanto aquela que carrego no brilho dos olhos.
esqueço dessa parte mais bruta do viver. volto a fazer poemas que não rimam, mas que carregam teus olhos apertadinhos de sol de meio dia.
cê não sabe, mas é ofício meu esse da palavra e do amor. 
e se te fiz morar dentro deles, em silêncio, é pra que nem sequer percebas... 
que é ali, depois daquela próxima curva, que o destino previu nosso voo.
"há de encontrar um lugar de ser céu"...
aqui.


segunda-feira, 19 de novembro de 2018

. [do livro de cartas] versos partidos .

quando dei por mim, Salvador, cê já não estava mais aqui...

assustada, procurei em cada canto de nós, na esperança de que houvesse algum resquício seu, esquecido entre alguma lembrança. pra minha surpresa, encontrei: teu jeito de sorrir com os olhos pequenos, teu sotaque desesperado de quem está sempre com pressa, tuas camisas brancas de malha barata e teu all star cinza de cadarços pretos. tudo estava aqui, em seu devido lugar, organizado milimetricamente entre minhas memórias mais serenas.

mas acontece, Salvador, que mesmo juntando todos esses seus pedacinhos e refazendo-os dentro de mim, mesmo assim, eu não te encontrei mais aqui. não é mais o teu rosto que enxergo entre os jornais da feira, nem é mais o teu cheiro que sinto quando abro a primeira gaveta da escrivaninha. não lhe escrevo mais poemas, não lhe sirvo mais rimas, não tenho vontade de lhe ver... parece, Salvador, que tudo que ficou d'ocê em mim, é uma vontade minha de que cê permanecesse, só porque é seguro saltar dos abismos te sabendo perto. mas no fundo, sei que de um tempo antes e em diante, fui eu aprendendo a saltar sozinha todos os obstáculos, sem sequer perceber o quanto a vida já me preparava pra essa nova solidão.

e é por isso que lhe escrevo... pra contar que não há ninguém em teu lugar: ele continua vazio, preenchido agora por mim, e essa coragem às vezes falha em recomeçar. os sons têm outras formas; os objetos tomaram proporções diferentes; as distâncias se tornaram ora curtas - ora longas demais; minhas palavras carregam uma firmeza quase endurecida, que adoço com um pouco dessa minha melancolia ainda tão familiar... estou descobrindo minhas maneiras de redescobrir o mundo, querido. e o mais assustador é que em nenhuma delas há você...

peço-lhe perdão pela maneira escrita, essa letra envolta em um cansaço que há dias trago nos olhos, pelo papel amassado denotando descuido. acho que o amor me transformou, Salvador. e, assim como não te encontro mais aqui, preciso dar logo um jeito de me buscar e me devolver pra mim


inteira...



ainda, e sempre,
com amor,

Alice.



domingo, 11 de novembro de 2018

. ensina-me a chorar .


ando escrevendo poemas curtos, que caberiam bem na palma da tua mão.
digo neles coisas simples e pequeninas, 
como a previsão do tempo, 
as cores que combinariam com teu par de sapatos novos, 
as horas e horas nas estradas de teu destino,
as canções tristes que ouço toda noite antes de adormecer... 
sabes como gosto delas, 
ainda mais nesses dias de novembro, em que é tão difícil chorar. 

por isso mesmo é que invento palavras, ainda que não rime nenhum verso... 

pra lhe perguntar, sem sequer uma interrogação:
se faz chuva onde cê tá.
se teu jardim já deu flor nessa primavera.
se esperança tem gosto de orvalho.
se a gente vai encontrar um tanto bom de alegria quando amanhecer.

queria mesmo é que,
dessa nossa lenta vontade de viver,
o tempo todo se transformasse em lágrima.
não fosse triste, nem feliz:
apenas caísse dos olhos em direção do mar, 
lavando nosso corpo de toda essa poesia. 
infinita...


terça-feira, 30 de outubro de 2018

. por partes .

.tudo, em mim, parece querer dizer-me outro nome, 
que não o teu. porém, me teimo em desenhar-te onde não és; 
em escrever-me onde não somos; 
em viver-nos onde há tanta poeira e pouco céu. 
sabes que sonho o amor, como quem planta roseiras sem esperar espinhos. 
sabes, que admiro os dias solares, como se meu peito fosse 
um girassol a buscar um fecho de luz em dias nublados; 
sabes que já te esqueci... 
não o amar-te, pois disso sei que não me esqueço. 
mas deslembro aquela frase doce, que me dizias sempre ao acordar: 
"vais ser feliz, minha pequena... aos grãos de nuvem que te cortam o chão". 
não sou feliz, nem aprendi a ser triste... 
sou só silêncio e brisa...



sábado, 6 de outubro de 2018

. [do livro de cartas] jardin de printemps .

ouça, minha querida Alice:
não se pode forçar uma flor a se abrir. é preciso tempo para que as pétalas, escondidas entre as folhas, sintam que é hora de enxergar as luzes de amanhecer...

assim também o é conosco, Alice. não podemos querer que as coisas nos desabrochem antes do tempo, ou elas correm o risco de não vingar. eu sei, minha querida: às vezes temos mesmo muita pressa. queremos que os sonhos aconteçam, que a carta chegue, que os desgostos desapareçam, que passe logo o verão... mas de nada adianta que seja assim se, cá dentro de nós, tudo continuar tão embaralhado quanto as linhas do teu bordado.

portanto, minha querida, guarde essa ânsia no bolso e espere o tempo certo de cada jardim florescer. enquanto isso, cuide de aguar e adubar as raízes, cortar as folhas e aparar os galhos, retirar da terra as ervas daninhas ou aquilo que já morreu... 

"reze e trabalhe, fazendo de conta que esta vida é um dia de capina com sol quente, 
que às vezes custa muito a passar, mas que sempre passa. 
e você ainda pode ter um muito pedaço bom de alegria. 
cada um tem a sua hora e a sua vez: você há de ter a sua".

me despeço com Guimarães e a certeza de que cuidarás bem de teu jardim...

com amor,
Bisa.



ps.: antes de dormir, coloque três ou quatro gotinhas de 
essência de lavanda no travesseiro. 
além de perfumar a casa, vai também lhe trazer 
tranquilidade e curar-te a insônia.

ps2.: não espere envelhecer para ser feliz...




terça-feira, 11 de setembro de 2018

. part.ir .

ei, cê pode ficar se quiser. não precisa bater a porta assim, tão depressa. ainda tenho lembranças doces e um pouco de camomila para fazermos um chá enquanto cê se decide. eu sei que não há muito mais em que se pensar, afinal logo chega o carnaval, daqui a pouco é verão, em breve não teremos mais tempo. mas alguma parte aqui dentro de mim não acredita no esquecimento. e essa é a mesma parte que tem a romântica certeza de que, como disse Carl Sagan, "somos feitos de poeira de estrelas". pense que bonito: ser uma partícula desses seres pequeninos, que alumiam nossas noites e cuidam dos nossos dias…

não sei, mas essa ideia toda de universo e infinito, me comove a esse ponto de achar que cê deveria ficar. até deu, na previsão do tempo, que vai continuar fazendo chuva pelos próximos 21 dias. as lavandas que plantamos devem começar a florir ainda antes da primavera. cê não leu nenhum dos poemas que escrevi e isso vai lhe tomar muito tempo. tenho planos de ir embora no próximo ano ímpar e não sei se vou voltar. as janelas estão todas abertas e assim permanecerão, para que a gente consiga respirar sem se machucar. viver é isso, afinal? ver partir de solavanco, tudo o que construímos com tanta delicadeza.

já sei que vais dizer que não. que a vida também pode ser essa porção de ondas e curvas, que às vezes nos colocam frente a frente. e outras vezes nos afastam, sem dizer ao menos o porquê. mas olha, se cê alguma vez acreditou na gente, essa talvez seja a hora de remar contra a maré, insistir mais um pouco, fazer algum plano, esboçar alguma alegria, ficar mais um tempo, contar do seu último trabalho, colocar tua música preferida e dançar ali, no meio da sala num sorrir sem fim.

nunca foi do meu feitio ser insistente assim, bem sabes. sou dada a silêncios e a respeitar desejos, por mais que eles possam ferir. mas é que às vezes, a gente só precisa de um empurrão, pra deixar de ser tão cabeça dura. cê sabe que vai sempre poder ir embora quando quiser. tenho cá meus sonhos, sei também que cê tem aí os seus e que em alguma hora, eles vão nos agraciar com um belo voo rumo à realidade. mas olha, só por hoje... caso cê escolha ficar, eu não lhe prometo mais muita coisa, além de um jeito inteiro de ser feliz e de respirar sem tanto hesitar.

fica!



sábado, 8 de setembro de 2018

. breve poema presente .

ouço uma canção antiga, em meio ao teu programa de rádio preferido.
de certa forma, ela canta: "onde quer que estejas, sei que pensa em mim como penso em ti".
pretensão minha: achar que pensas em mim. que me fala às tuas paredes. que me encontra em tuas esquinas.
sou só um poeta... que acha graça no passar do tempo; que tem mais metáforas que lembranças; que sabe de cór todo o alfabeto francês.
só alguém. 
que já farto de andar vazio, achou no vento um jeito de se preencher. 
que já exausto de ser companhia, viu na solidão uma maneira fácil de não esquecer.
que já um pouco velho, e tão antigo, não sabe bem portar as palavras na voz. e por isso acha melhor escrever...
vê? desde que chegaste, nas canções desse programa de rádio, faço uma rima por dia, na esperança de que cê leia.
e perceba em minhas entrelinhas, toda extensão desse tão simples bem-querer.
que é teu, embora diante de ti, eu sempre encontre a maneira mais gentil de me pertencer...


terça-feira, 4 de setembro de 2018

. [do livro de cartas] somos infinitos .

Salvador,

ando por essas ruas sem saber ao certo pra onde elas irão me levar. às vezes sinto saudade, mas é como vento que toca o rosto da gente e logo passa... soube, nesses meus dias de mais silêncio, que é preciso muito pouco para se viver. pensei também n'ocê, nos seus sonhos desfeitos, e por alguns instantes cheguei a questionar de que adianta os meus tomando forma, se cê não tá aqui pra dividir as alegrias comigo. 

teria sido diferente se cê tivesse ficado. mas sei, e cê sabe ainda, que de certa forma eu também escolhi partir, mesmo sem ir embora por inteiro. porque, Salvador, por mais que a gente siga nosso rumo, vai sempre ficar um pouco da gente em cada canto por onde passamos. e cê tem muito do meu bem-querer, da mesma forma que carrego um tanto do seu jeito de sorrir e de voar. 

hoje, querido, no entanto, compreendo que todas as perdas que desenhamos pelo nosso caminho, foram suficientes para nos estabelecer distâncias, como essa que vivemos agora. ando tão vazia, catando pedaços de mim que foram se desmanchando pelo chão. Bisa me disse, ontem à noite, que é mesmo assim que acontece quando o amor se transforma: a gente vive uns dias dentro de um não pertencer a lugar algum. fica ali, pairando entre as sensações de estranheza diante do próprio corpo e do alívio em ver os olhos lacrimejarem diante do espelho. 

depois a gente se preenche de novo... mas de um jeito diferente, que diz muito sobre ser da gente mesmo, arriscando até algumas flores coloridas diante das janelas. por isso, Salvador, pela primeira vez em tantos anos, desejei com ânsia a chegada da primavera: pra entrar num jeito de viver entre mais cores, mesmo sem perder essa minha tão acostumada melancolia.

desejo-lhe, então, nada mais do que lhe disse ao telefone naquele domingo chuvoso: que sejas feliz. uma felicidade tão grande, capaz de lhe doer as bochechas diante do mais largo sorriso. talvez eu não tenha mesmo aprendido quase nada sobre o amor, meu querido. talvez eu vá mesmo viver sempre entre reticências e nuvens, sem nunca conseguir pousar... talvez eu precise mesmo seguir seu conselho, ser menos generosa e mais pé no chão, pra que o amor me aconteça de uma vez certeira, sem tanta ilusão. talvez tenha chegado mesmo a hora de ir embora de uma vez, querido, mesmo dentro da certeza de que, no fundo, eu já parti bem antes de você.

ainda assim, vai ser sempre com amor,
Alice.






domingo, 19 de agosto de 2018

. colher estrelas .




não me recordo um dia sequer em que não tenha te amado.
nem mesmo aqueles, em que chegavas logo pela manhã a me contar sobre teus outros amores, e no fim do dia dormia, sem sequer dizer boa noite.

te amei e não foi por capricho ou solidão... quem dera pudesse escolher não amar! mas nunca pude. como todo bom poeta, nasci fadado ao sentir demais, entre doses sem exagero, de um amor todo vivido pra dentro: nunca pronto, nem certo pra sair de mim.

poderias até dizer que por medo. diria eu, que por não saber bem o que fazer: onde colocar as mãos, como cuidar das palavras, em que taça oferecer o vinho, a que horas acordar para o café.
coisas pequenas. que a ti, sei, não importam tanto.

mas não me importa também que não te importe com essas minhas formas de desenhar o amor: ainda assim, todos os dias, incondicionalmente, eu te amei. desse jeito meu, imperfeito mesmo, torto, sem caber dentro de mim, sem poder me espalhar em ti.

te amei grande quando estava feliz. te amei miúdo, apertado, toda via em que percebia que amava só, e estava destinado a ser assim. pra sempre.

'sempre é tempo demais', me dirias dentro de um jeito teu de não querer acreditar em infinitos. 

e hoje, mesmo sabendo que ao lhe amar eu perdia tudo, amaria de novo, só pela alegria minha de lhe ver sorrir, ainda que isso me custasse todos os meus versos.

domingo, 5 de agosto de 2018

. [do livro de cartas] 3x4 .

Salvador, 

hoje, enquanto organizava algumas gavetas, encontrei uma foto 3x4 sua, que eu carregava na carteira antes da sua partida. cê usava aquela camisa amarela com listras brancas bem fininhas, quase invisíveis pra minha miopia. e cê ficava bonito nela, mas sempre achei que tudo aquilo era um pouco triste: o jeito que ela tinha de sempre perder um botão, o tom meio pálido que ela dava ao teu rosto, a formalidade que ela desenhava no teu jeito de caminhar. dei graças a Deus quando ela rasgou a manga d'um jeito que nem eu nem sua mãe conseguimos costurar. foi um alívio.

vê só quanta lembrança cabe numa fotografia pequenininha, Salvador? fiquei parada um tempo diante dela, como quem busca ainda dentro do olho do outro, uma só resposta. mesmo já sabendo que ela não existe. só aí eu chorei... mas não foi um choro triste, nem vencido dentro de qualquer mágoa. foi mais miúdo, mais leve, mais necessário também. entendi, meu querido, ali dentro daquele quadradinho, que o amor vai ser sempre minha justificativa. e também nossa maneira de se carregar pelo tempo, guardando mais sorrisos que adeus.

a grande questão disso tudo, é aquilo que os livros antigos já nos ensinaram: toda história carece de ter início, meio e fim. nós é que cismamos de adiar as despedidas, transformando nossa brevidade em infinito. e eu sempre serei grata por essa leveza em viver.

aqueça teu coração com chá de bergamota e jasmim. tem feito dias frios nessa tua cidade que só sabe chover...

sempre com amor, 
Alice.













quarta-feira, 25 de julho de 2018

. [do livro de cartas] ventos de agosto .

minha querida Alice,

em algum momento, que ainda desconhecemos, saberemos ao certo o que foi que nos aconteceu... agora, aqui da minha distância, pensei que se não fosse o tempo, talvez ainda estaríamos dentro do mesmo compasso, dançando a mesma canção. no entanto, como também sabes, encontramos na nossa ausência um jeito bonito de existir e um certo conforto dentro de cada solidão.

sei, ainda, que me pediste que não lhe escrevesse mais. mas que faço eu, a não ser pensar em ti com tanta ternura?

me desfiz dos nós, Alice. mas sei que nunca deixaremos de ser laço. peço-te perdão por ter deixado só o teu coração e por ele ter se acostumado tanto ao silêncio, ao ponto de não querer ser mais nenhum barulho. toda ausência na qual me transformei dentro de ti, também me fere, acredite. Mas todo esse silêncio ainda vai te transformar em alguém que não teme o próprio tempo, nem foge do próprio destino...

agasalhe bem os pés e saia de casa esta tarde pra sentir os primeiros ventos de quase agosto. eu vou estar onde teu olhar não mais alcança, sempre esperando que sejas feliz.

com afeto,
Salvador.


quinta-feira, 19 de julho de 2018

. singularidades .

às vezes sou tomada por pequenas saudades... nesses dias, sinto saudade de tudo: do café que esfriou na xícara, do livro que terminei de ler há três dias, do amor que senti quando tudo era manhã, dos lugares por onde passei, dos amigos que moram longe e também daqueles que estão por perto. passo dias assim, vivendo dentro de pedacinhos de saudade que eu nem sabia que existiam. falo pouco sobre mim, porque nesses dias não sou muito minha. falo pouco sobre tudo, porque perco também o jeito que me resta de falar das coisas do mundo. fico aqui: dentro dessa saudade que muito me rouba, sem sequer me pedir nada em troca.

nesses meus dias, de sentir saudade de tudo, faço pouco (ou quase nada) pra que ela vá embora. compreendo que, no fundo, somos feitas uma da outra. damos importância a coisas pequeninas, enxergamos formas nas nuvens, colecionamos poemas, guardamos fotografias quando elas revelam flores... porque saudade é um tanto diferente de falta. não tem sinônimo: é feita dela e só. não é como a lembrança, que a gente substitui facilmente por uma ou outra memória. saudade não tem troca, nem se faz por aparências ou ilusões. existe porque quer existir, e carregar a gente nela é sua forma de dizer sem causar espanto e de ser sem tremura... 

...tem um pouco de jeito de se alojar pelos dias bonitos, aqueles que são bem vividos... um reflexo, ainda que meio embaçado, das horinhas de descuido em que fomos felizes... por isso, quando ela vem, sendo singular ou plural, dou-lhe asas, silêncio e pouca pressa. existo nela também, no meu jeito meio lento de viver, os olhos carregados de imensidão, um amor sentido por essa chance de companhia, a certeza de guardar dentro dela as partes mais bonitas do caminho...


terça-feira, 10 de julho de 2018

. reflexo .


vez enquando, naqueles dias em que tudo ameaça ser sombra, 
ouso tocar as estrelas com a ponta dos olhos.
os mesmos, que se apertam míopes pra enxergar distâncias, que se comovem com letras de amor, que se encantam pra alcançar os teus.
desenho pequenezas no vento, na esperança de 
que toquem teu rosto onde quer que esteja.

sente? sente daí essa brisa fresca do entardecer de um inverno tropical,
 fazendo carinho na ponta do teu nariz?
sente como é frágil viver entre sombras, tempo e canções?

sou mais do silêncio que da prosa. 
mais do verso que da companhia. 
mais da vida que do amor.

guardo ilusões de espaço, cor e outono, pros dias em que não sei viver direito. 
e também para aqueles em que sei...
tenho coração disperso. e infinito na horizontal, como água correndo no mar.

mas quando ouço do teu peito, aquele tempo sobre pisar folhas secas e colorir o mundo com todos os tons de azul, me esqueço. 
e muitas vezes quase adormeço, na delicadeza que paira, 
vinda do teu jeito simples de existir...


terça-feira, 19 de junho de 2018

. [do livro de cartas] tempo .

minha querida Bisa,

o tempo passou por mim em uma velocidade quase incalculável. sabes bem sobre minha dificuldade com números e minha afinidade pelas coisas passageiras. então, sei também que compreenderás toda minha ideia de relatividade e meu sentimento de afeição por esses dias que correram por mim. 

tua última carta me tocou o coração de um jeito diferente. e descobri que toda aquela certeza de não ter, ainda, encontrado meus lugares de paz, talvez nunca passe. mas se posso lhe escrever algo com um pouco de alegria, arriscaria contar que o vento desses últimos dias de outono trouxe aqui um tanto de leveza, ao menos para as minhas palavras e meus pensamentos, que andaram tão anuviados em mim desde que Salvador escolheu partir. 

sei das coisas que não voltam mais, Bisa. aprendi a compreende-las belas assim, com tudo que ensinaram ao meu coração. me desfiz das mágoas, do pouco de barulho que ainda assobiava seus agudos em meus ouvidos, das ideias de que o amor, pra existir, precisa de uma outra ponta, além da que meus olhos enxergam no espelho. 

desfiz alguns nós. criei alguns laços... mas sei que esquecer, Bisa, é tarefa que não me cabe mais. tenho é que cravar os pés no chão de minha vida e deixar que as asas que são de sonhos, toquem com delicadeza as nuvens em céu azul que estão logo por vir... sentimento da gente é mesmo que nem as estações do ano: de tempo em tempo mudam, aprendem novos caminhos. mas nunca hão de se soltar de nosso peito nem de nossas mãos.

ainda acredito no tempo certo das coisas.

com amor,
Alice.




quinta-feira, 7 de junho de 2018

. [do livro de cartas] espero que saibas dançar .

minha querida Alice,

é tempo de recolher os antigos medos e ser feliz outra vez. e você sabe bem o que isso significa. sabe também que, algumas vezes, precisamos abrir mão de uma ou outra convicção, para só então conseguir encontrar um pouco de paz. e você só descobrirá qual o teu melhor caminho, quando se aventurar pelos que possam lhe parecer os piores.

eu sei que, dizendo assim, até soa um pouco cruel. mas veja só, minha Alice: as temperaturas do nosso outono subiram, daqui a pouco já é inverno e você sequer teve tempo de sorrir, tão atordoada com as destemperanças da vida. teu bisavô sempre dizia que o tempo não nos esperaria colar os cacos dos amores desfeitos. 

então, se posso dizer-te alguma alegria, ela seria tão delicada quanto teu coração e tua leveza ao caminhar: guarda, na gaveta das tuas lembranças, tudo aquilo que poderia ter sido, mas que não foi porque não há como lutar contra o nosso destino. há de se encontrar, por essas estradas tortuosas do viver, um canto pra recostar teu coração e descobrir novos sonhos...

enquanto isso, dance, minha querida! não há nada mais libertador do que dançar...

com amor,
Bisa.


ps.: separe 100 g de manteiga, 1/4 da casca de limão siciliano ou verde, 2 ovos, 120g de açúcar, 100g de farinha e 3g de fermento em pó

derreta a manteiga em fogo baixo. à parte raspe a casca de 1/4 de limão. em uma tigela, bata os ovos e o açúcar até obter uma mistura espumosa, como uma nuvem. adicione a farinha e o fermento peneirado, mexendo sempre com delicadeza. despeje a manteiga devagar, adicione as raspas de limão e misture bem. coloque em formas untadas (aquelas em formato de concha) e asse em forno a 220°C durante 5 minutos. abaixe a temperatura para 200°C e cozinhe por 10-15 minutos.

desenforme ainda quente e deixe esfriar antes de comer.
ao sentir o cheirinho das madeleines ficando prontas, lembrarás nossas tardes no Porto, em que não desejavas mais nada, além de sorrir e tomar seu chai de jasmim e anis...





domingo, 3 de junho de 2018

. poema antigo .

num poema antigo, vi teu nome bordado com lantejoulas e cetim, colorindo de carnaval uns versinhos meio bobos, escritos no último verão. diziam que, entre tantos sonhos e laços, tivera tempo de escolher em mim, o teu melhor amor. e que o resto, pequenino que nem jasmim, se esvaiu entre os dedos, como naquelas canções que dançamos antes do amanhecer.

diziam, também, que o amor pode dar certo. que era só tomar um pouco mais de sol, recolher um pouco mais de viço, travar um ponto firme entre o tempo e as vontades da razão, encontrar a linha tênue entre os fins e os (re) começos. caí na encruzilhada de acreditar nesses dizeres tão mal acabados, contrariando as cartas, o tarô e meu próprio coração. 

"poeta não foi feito para o amor!", gritou Sr. João, lá da venda na esquina, pra me lembrar que, embora eu não soubesse ainda fazer rima, deveras deveria ter já aprendido a guardar-me em meu lugar. coisa de quem encontra refúgio nas palavras, mas não aprendeu ainda a usá-las para não ferir o próprio peito e nem a sair de cabeça erguida, do fim de qualquer quase amor...




quinta-feira, 17 de maio de 2018

. entre pausas .

sempre que o tempo passa pela fresta da minha janela, tenho de súbito um desejo de ir embora com ele. respirar teus versos de mar e tuas rimas de outono, perfumar de lavanda e alecrim o instante das esperas... desvencilhar-me dessas urgências, entender novamente que as doçuras são construídas com pouca pressa e toda a simplicidade dos olhares distraídos.

cabe em mim, sempre que o tempo me toma nos braços, uma ânsia de vento solto tirando os cabelos pra dançar. e uma vontade de ser livre sem ferir o gosto, de aprender sobre permanências sem desistir dos voos, de ousar pertencimentos e longas distâncias, só pelo zelo de voltar. entender também sobre lonjuras, traçar estratégias de pouso, ouvir canções que ousem alguma poesia, enquanto se desfazem os segundos entre todos os cantos que 'ainda são de mim'...

esse mesmo tempo (tão astuto!) que não usa sequer pedidos de licença nem qualquer formalidade, sopra às vezes aos meus ouvidos, tuas ideias de amor. justo a mim, que ainda que entre espantos e saudades, carrego cá meu jeito de delicadezas e minhas crenças fáceis no correr das estações, nos começos sem fins, nas chances infinitas de fazer morada noutros corações... 

quando ele chega e me atravessa (o amor, e não o tempo), entendo cá entre minhas incertezas, sobre a importância de manter abertas as janelas, ainda que só uma fresta...



segunda-feira, 7 de maio de 2018

. [do livro de cartas] a dor dessa partida .

querido Salvador,

sabes bem como são importantes pra mim os dias de outono. sou tomada por esperanças e encantamento, principalmente nos entardeceres com seus tons lilás-laranja-azul. por isso, sempre que ele chega (o outono), pouco me permito entristecer: guardo isso ao verão que, embora tenha lá suas razões pra ser tão feliz, não me conquista tanto quanto as possibilidades amenas dos dias mais frios.

acontece, Salvador, que dessa vez o outono se vestiu d'umas cores estranhas e que eu custei a entender. de repente, toda aquela coisa de sentir para sabê-lo vivo, se apagou de mim e do meu coração, de forma que tenho vivido como se nada, além da tua já esperada ausência, estivesse acontecendo no meio do tempo. faz com que eu me perca de todo o encanto da minha estação do ano preferida. e isso tem que acabar...

não pense, em momento algum, que lhe quero mal. mas decidi, enquanto ainda era manhã, que cê precisa sair da minha vida direito, sem meu querer indo te buscar em todos os cantos, ficando a ti reservado, apenas o lugar doce de minhas lembranças. dói, Salvador... chegar aqui ao final de outro dia e perceber no coração que esta é sim das minhas decisões mais acertadas. mas é jeito também, meu querido, de preservar os sentidos tão bonitos que me foram dados pelo tempo, desde o dia em que cê apareceu me tirando um pouco o chão.

peço que não me escrevas. e me permita viver a solidão de meu amor, tão acostumado à ausência do teu. deixe-nos quietos, aprendizes do esquecimento de recordar-te todas as horas. sei que ficaremos bem com o tempo e que, até o fim do inverno, já saberemos esboçar algum sorriso outra vez. respeite ao menos esse desejo meu e continue bordando teu silêncio com fitas de cetim.

vai ser sempre com amor,
Alice. 





terça-feira, 1 de maio de 2018

. [do livro de cartas] para curar-te do amor .

minha querida Alice,

quisera eu saber o que dizer pra confortar teu coração. sou também feita de imperfeições, minha querida. tenho minha carga de dores passadas e que contam muito sobre o que este meu coração cansado se tornou. em palavras, só sei dizer sobre misturas de chás, receitas para bolos, melhores biscoitos de nata para acompanhar cafés da manhã, qual janela abrir para o sol entrar durante as tardes de outono. de resto, minha pequena, não sei remédio algum que possa curar-te do amor.

sim, amor sim, Alice. afinal, que outra palavra darias pra tamanha espera? que outra palavra escolherias pra nomear teu frio no estômago e tuas lembranças que nunca evaporam? bem tentei, por vezes, alertá-la sobre ele, querida. mas preferiste não ouvir e, cá dentro de mim, fico feliz que não tenhas mesmo me dado ouvidos. penso que se fosse você a ir embora antes que o sentimento fizesse morada em teu peito, talvez nunca virias a conhecer tamanha grandeza.

eu sei que dói, minha pequena. e, se pudesse, transformaria todos os desejos do teu coração em realidades bem docinhas, pra acompanharem teu caminho. mas já que não posso, peço apenas que se lembre: não há dor que dure para sempre, nem desencontro que não possa ser remediado com manjericão e alecrim. 

acalma teu coração... é dele que virão todas as tuas respostas.

com carinho,
Bisa.


ps.: ferva, por dois minutos, quatro mãos de folhas de manjericão e duas de alecrim, em dois litros de água. tampe a infusão, deixe esfriar um pouco e coe tudo. 
assim que atingir a temperatura ambiente, derrame o "chá" do pescoço para baixo, depois de tomar banho. 
pense coisas boas e tenha fé de que elas virão para você...

ps2.: manjericão e alecrim afastam energias negativas. não vão curar teu coração, mas vão deixar tua alma mais levinha...



terça-feira, 17 de abril de 2018

. deixa! .

deixa-me te amar sem pressa, 
sem ânsia por amanhãs, 
sem desejos mirabolantes ou esperas pelo fim.

te escrever sobre os avessos, 
te abrir minhas imperfeições, 
te olhar nos olhos ao mesmo tempo em que falas sobre incertezas e inspirações.

te roubar flores enquanto ainda for manhã. 
te roubar sorrisos enquanto ainda "somos cedo demais".

te escrever poemas. 
te ler poemas. 
te transformar inteiro em verso para n-u-n-c-a-m-a-i-s esquecer.

e dançar contigo na chuva, 
sem promessas pelo eterno, 
sem medos absurdos, 
sem cravar raízes no chão.

e rir de tudo. 
e rir pro tempo. 
e rir da gente. 
e ser feliz, 
de um jeito simples, 
de transformar domingos em entardecer.

e saber que é mesmo você, 
até que entendas todo o porquê desse encontro. 
e ter certeza, 
e te dizer que fique,
'só por hoje'

f.i.c.a.n.d.o.

entre gerúndios, jasmins e asas.
não desejar partir.
fazer do meu chão tua casa.

a.b.r.i.g.o.

pouso em descanso,
pra construir teto nas nuvens,
do nosso sempre ir e vir...








terça-feira, 10 de abril de 2018

. enquanto é outono .

algumas vezes, desenho palavras que só fazem sentido aqui, no meu coração.
que nem meu amor pelo que é teu: só parece valer alguma pena, quando conjugado, em silêncio, na primeira pessoa de dentro de mim.
eu sei que é meio hard, sombrio e antigo falar de amor nesses tempos tão cruéis. mas se não escrevo sobre ele (e você), que mais vou fazer com esse tanto que me resta?
uns poemas sem rima, umas estrofes sem qualquer emoção: é isso que vira o tempo quando tento girar os ponteiros sem ouvir teu coração.
é que sei muito pouco sobre a vida. mas sei que a sinto muito, principalmente quando tua voz me chama às 2 da manhã, pra falar sobre poesias e constelações.
quando paro ~ e me atento ~ sei que tem muito mais de amor em mim quando cê vai embora, do que quando chega. e é assim, também, que aprendo sobre permanências sem prisões, sobre pertencimento sem arriscar a chance do voo, sobre amar em liberdade, sem importância com distâncias ou abismos...

penso muito (e é quase sempre) que às vezes já é tarde demais pra esperançar nosso rastro. mas quando ouço o trilhar do tempo no tom da tua voz, volto a acreditar em potes de ouro no fim do arco-íris, a sonhar com finais felizes, a ter fé num destino que, se antes inventado, hoje nos foi dado como sinal de paz...

se a gente tiver mesmo a chance de voar, acho que nunca mais voltarei a cravar pés e desejos ao chão...





terça-feira, 27 de março de 2018

. perdão .

eu te perdoo
por abrires a porta sem pedir licença
e entrar, sempre que bem entendeste, dentro do meu coração.
por escolher meu melhor vestido pra chamar de teu preferido,
e cravar teus desejos na minha lembrança, como consolação.

te perdoo
por desfazer meus versos, pintar meu estandarte de cinza
e desbotar meu carnaval, enquanto eu ainda aprendia a sambar.
por ir embora sem dizer que vinha
e me fazer companhia quando, no fundo, ainda era mais fácil caminhar.

perdoo
por desbotar meus versos que, pequeninos,
nem sabiam métricas ou sequer o jeito certo de rimar.
e por escrever, um dia, que teu desejo sempre iria me encontrar
e me cortar os pulsos, o viço e a alegria, na tua insistência de voar.

eu te perdoo
por me despertar pro tempo sem me contar as horas
e tornar eterno todo esse desencontro, desde que lhe vi.
por sapatear dentro das minhas cicatrizes
e transformar tudo em vida, desde o dia em que lhe reconheci...

.



domingo, 18 de março de 2018

. [do livro de cartas] ensina-me a esquecer .

querida Bisa,

quanto tempo se leva para esquecer alguém? li uma vez, nos jornais, que uma pena em voo, demora cerca de 8 segundos para voltar ao chão, independente da força do vento. achei bonito. deveria ser esse também o tempo do esquecimento: pequenos segundos e pronto! tudo encaixado delicadamente em sua gaveta de lembrança. no entanto, já são 77 dias, 12 horas e 53 minutos em que esquecer tornou-se verbo futuro, sem intenção de presente e desconhecido de passado. e eu, andando triste, sofro sem saber sua conjugação. 

o amor desaconteceu, Bisa (se é que essa palavra existe). voltou pros livros que conservo em fila na prateleira do quarto e prometeu não voltar em sua antiga versão. não pude sequer contestar sua decisão: disse-me que estava machucado e que suas feridas poderiam me ferir também. temi tamanha coragem dele, porque já vem chegando o outono e sabe-se bem que não sei chorar na estação das amenidades. não sei também me desvencilhar de detalhes, por isso essa dificuldade em descobrir o tempo certo dos esquecimentos. mas se não aprendo logo como deixar que partam as memórias, ainda que inventadas, do que farei meus novos poemas? 

sei que nas suas anotações entre os cadernos e as receitas, deve existir algum conforto pros meus dias. então, se tiveres a intenção de me escrever de volta, me ensine em palavras leves e sem muita dor, uma simplicidade que me livre da lembrança e que me cure esse desgosto em viver. ainda guardo uma esperança insistente e valente, dentre os versos que nunca mais li...

com carinho, 
Alice.



quinta-feira, 8 de março de 2018

. silêncio .

algumas vezes eu preciso dos silêncios. de entrar dentro deles e sugar tudo que têm a me dizer: são por demais barulhentos os meus silêncios. aprenderam a dançar, a recitar poemas, a cantar canções francesas, a escolher entre café e chá. me ensinaram a não falar enquanto ouço, me ajudam a dizer mais 'sins' que 'nãos', me levam pra passear sempre que é outono, me deixam ser mais atenta e menos aberta quando caminho.

- faz parte - eles dizem.

e assim, levam com eles meus versos e minha escrita. me ensinam que, às vezes, enquanto a gente se cura de uma dor, é preciso abraçá-los pra conseguir ver o sol se pôr de novo. preciso deles pra reaprender a respeitar o tempo: mais o meu; também o do outro. preciso deles para aprender a esquecer. preciso deles pra me lembrar que tudo passa, até as rimas que nunca fiz. por isso, às vezes me ausento e volto diferente depois, como se jamais tivesse pertencido. meus silêncios me mudam de endereço, me transformam em uma pessoa melhor.

depois, quando percebem que se fechou a ferida, vão embora e saem de mim sem destino. me deixam cheia daquilo que curamos, que aprendemos, que reencontramos. não sou mais dona dos passos, nem do tempo: depois que me guiam - os silêncios - sou toda dos resquícios que eles deixam em mim. 

ainda bem...


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

. [do livro de cartas] a gente nunca esquece .

querido Salvador,

diz meu coração, que cê só anda um pouco perdido, sem saber como voltar. sem muito jeito pra crer nessas ideias dele, apenas lhe pedi: 'não se engane, coração. não acredite em tudo que sente'.

existem muitos caminhos, Salvador. estradas curtas, estradas longas, estradas com poucas ou infinitas curvas. aprendi, ainda muito pequena, que quando a gente tem pouca certeza, mas alguma fagulha no coração, a gente consegue chegar onde se deve, aprendendo a amar a trajetória inteira.

não sei o que te aconteceu... se cê cansou dessa brincadeira de longitudes, se seu tempo anda desencontrado, se cê esqueceu minhas poesias, se cê achou melhor seguir, me deixando dentro desses vazios. mas seja lá o que for, não tenha medo. a gente não deve culpar destino algum, nem dizer desses agoras, que às vezes se fazem tarde demais.

mas me escreva quando sentir saudade. as portas vão estar sempre abertas pr'ocê.

com amor,
Alice.



quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

. avec toi .


queria eu, escrever bonito, uma coisa qualquer que cê pudesse ler. que tivesse passarim na janela, rima de jardim, perfume de roseira, cor de girassol. que te fizesse sentir daí, d'onde cê tá e que eu nem sei, uma vontade danada de ler minhas palavras, ficar vidrado nelas, se apaixonar lentamente pelo sentimento que elas brotariam n'ocê. que te desse, ainda, uma vontade de me dizer de volta, de me mandar um bilhetinho, de se ver que nem as constelações todas, que desenho só procê.

mas eu (vê só, que besteira!), quando dano a escrever procê, só sei dizer dessas coisas de amor e que cê nunca vai ler, eu bem sei. enfeito tudo de cor e purpurina, encho o verso de rodeios pra ficar bonito, uso entrelinhas e quase esbarro em desejos que cê jamais entenderia. por isso fico aqui: cabisbaixa, nuns dias meio turvos sem notícias suas, num descaminho doído que nem caco de vidro na sola de pé descalço.

meu sonho mesmo era que cê lesse alguma coisa que eu escrevi... fosse escrito procê ou jogado no vento, de raras vezes que a escrita muda de tom. e se apaixonasse por um versinho só, que cai sempre de ter bem mais do meu coração, do que eu mesma posso ser. se acontecesse isso, d'ocê me gostar primeiro pelas palavras e só depois pelos olhos, mesmo que cê fosse embora, de cá eu saberia que cê iria levando a melhor parte que é de mim...


quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

. do tempo de tudo .

não se entristeça assim... há tempo pra tudo!
pros laços desfeitos, pros amores perdidos, pras novas cores...
o que passou, em breve ocupará seu lugar devido entre as lembranças.

e, por isso, cuide do teu coração... 
pra que ele faça sempre as tuas melhores escolhas e guie os passos do teu melhor caminho.
essas lágrimas que caem hoje, são como orvalho nos campos de macieiras pelas manhãs: logo vem o sol e tonifica tudo. 

então, se já não cabe mais em teu peito sustentar tanto amor vão, vá enquanto o tempo ainda não corroeu tua forma de esperançar.
colhe flores, planta roseiras ou girassóis, compra alfazema pra perfumar a casa, anseia pelo tempo das boas avenças e jamais, em momento algum, caia na tentação de desistir.
não viemos até aqui pra partir em desamor...
por isso, apruma esse peito, levanta esses olhos e escreve, se preciso for, uma história nova!

tem giz de cera na primeira gaveta...
desenha com eles os sonhos mais puros do teu coração e vai... ser feliz outra vez...



terça-feira, 9 de janeiro de 2018

. [do livro de cartas] caminho sem volta .

Salvador,

sinto sua falta, principalmente quando o tempo ameaça ser janeiro o ano todo. e se te escrevo assim, enquanto ainda amanhece, é porque no fundo, ainda espero que cê se recomponha e decida vir antes que o domingo acabe. Bisa me disse, num bilhete em papel manteiga, todo bordado nas beiras com delicadas flores de abril, que devo endireitar o corpo e ir embora, sem olhar pra trás. que esse teu coração de mundo, nunca vai desejar encontrar abrigo. e que do tanto que aguardo passar mais um verão, verei apenas meu coração se tornar quebradiço, como as vidraças das janelas mais antigas.

não sei se acredito... e ainda olho teu retrato como quem se reconhece pelas beiras do tempo e se aconchega ali, sem prazos ou pressa de viver. no entanto, por via das dúvidas, não falo mais teu nome há alguns dias, nem escrevo mais poemas demorados, rimados em canções. tenho tentado, juro! e lhe conto que esquecer é caminho sem volta, e isso também apavora.

a verdade é que, por mal, perco a parte doce do peito sempre que cê me some. e vivo os dias numa amargura, uma tristeza, principalmente nessa época em que tudo evapora com as gotas da chuva. tenho ataques de ansiedade, choro sem motivos, saio pouco de casa, uso bastante alfazema e desaprendo o jeito: de rir, de ouvir, de falar daquelas coisas bonitas que cê (já) tanto se alegrou em ouvir.

eu tenho medo, Salvador. de nunca mais conseguir ser a mesma pessoa, depois de aceitar que a gente virou caminho sem volta. então, peço que repense tua solidão antes que Bisa me escreva de novo, e me convença de que é melhor silenciar meu coração e te deixar partir. eu não saberia mais contar estrelas sem contar com você...


é (sempre!) com amor,
Alice,






terça-feira, 2 de janeiro de 2018

.quando o dia entardecer.

aquele desejo que tens, no fundo do teu peito, vai se tornar real à medida em que acreditares em teu coração. 
e todo o silêncio que faz vento aí dentro, vai preencher seus vazios com a delicadeza e a simplicidade dos recomeços.
vais escrever novas canções, compôr outros poemas, aprender a fazer rimas e descobrir que ser feliz é tão caminho, quanto as trajetórias tortas do teu coração.
vais aprender a perdoar. e sorrir sem ter medo. e renascer em pequenas coragens diárias, mais fortes que aquela tristeza de ontem e que aquela mágoa de amanhã.
e então vais compreender:
que todo passo carrega uma chance de amor;
que tudo que parte é porque deveria mesmo ir;
que aquilo que teu coração grita, deve ser tua primeira verdade;
que teu sonho vale mais que qualquer carnaval;
que a saudade sempre vai doer mais nos dias de chuva;
e que tudo aquilo que vale teu sorriso, deve receber tua gratidão.
e eu desejo que nem teu coração partido, seja maior que tua vontade de mar.
e que até teu jardim em flor, resista a todo esse verão.
porque quando chegar o outono, cê vai conseguir acreditar de novo.
e como nos contou, com amor, Cris Lisbôa, 
"não te tornarás aquilo que te feriu".


(para ouvir "a pele que há em mim", márcia santos e jp simões)
...