terça-feira, 9 de janeiro de 2018

. [do livro de cartas] caminho sem volta .

Salvador,

sinto sua falta, principalmente quando o tempo ameaça ser janeiro o ano todo. e se te escrevo assim, enquanto ainda amanhece, é porque no fundo, ainda espero que cê se recomponha e decida vir antes que o domingo acabe. Bisa me disse, num bilhete em papel manteiga, todo bordado nas beiras com delicadas flores de abril, que devo endireitar o corpo e ir embora, sem olhar pra trás. que esse teu coração de mundo, nunca vai desejar encontrar abrigo. e que do tanto que aguardo passar mais um verão, verei apenas meu coração se tornar quebradiço, como as vidraças das janelas mais antigas.

não sei se acredito... e ainda olho teu retrato como quem se reconhece pelas beiras do tempo e se aconchega ali, sem prazos ou pressa de viver. no entanto, por via das dúvidas, não falo mais teu nome há alguns dias, nem escrevo mais poemas demorados, rimados em canções. tenho tentado, juro! e lhe conto que esquecer é caminho sem volta, e isso também apavora.

a verdade é que, por mal, perco a parte doce do peito sempre que cê me some. e vivo os dias numa amargura, uma tristeza, principalmente nessa época em que tudo evapora com as gotas da chuva. tenho ataques de ansiedade, choro sem motivos, saio pouco de casa, uso bastante alfazema e desaprendo o jeito: de rir, de ouvir, de falar daquelas coisas bonitas que cê (já) tanto se alegrou em ouvir.

eu tenho medo, Salvador. de nunca mais conseguir ser a mesma pessoa, depois de aceitar que a gente virou caminho sem volta. então, peço que repense tua solidão antes que Bisa me escreva de novo, e me convença de que é melhor silenciar meu coração e te deixar partir. eu não saberia mais contar estrelas sem contar com você...


é (sempre!) com amor,
Alice,






Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Esse me deu um real aperto. Me fez sentir um pouco de desencanto por Salvador. Acredito que a Bisa deva enviar novas linhas pra que ela entenda que às vezes é necessário realinhar. É preciso que se conte coisas novas e estrelas em céus diferentes. Amor é também deixar partir, para aprendermos a voar novamente, antes que se atrofiem as asas.

Eu fico é louca nessas cartas. Querendo um livro. Aiai.

Débora,

Também por ser você uma das poesias mais queridas que 2017 me trouxe, te desejo um 2018 inteiro bom.

Um beijo.