quarta-feira, 25 de julho de 2018

. [do livro de cartas] ventos de agosto .

minha querida Alice,

em algum momento, que ainda desconhecemos, saberemos ao certo o que foi que nos aconteceu... agora, aqui da minha distância, pensei que se não fosse o tempo, talvez ainda estaríamos dentro do mesmo compasso, dançando a mesma canção. no entanto, como também sabes, encontramos na nossa ausência um jeito bonito de existir e um certo conforto dentro de cada solidão.

sei, ainda, que me pediste que não lhe escrevesse mais. mas que faço eu, a não ser pensar em ti com tanta ternura?

me desfiz dos nós, Alice. mas sei que nunca deixaremos de ser laço. peço-te perdão por ter deixado só o teu coração e por ele ter se acostumado tanto ao silêncio, ao ponto de não querer ser mais nenhum barulho. toda ausência na qual me transformei dentro de ti, também me fere, acredite. Mas todo esse silêncio ainda vai te transformar em alguém que não teme o próprio tempo, nem foge do próprio destino...

agasalhe bem os pés e saia de casa esta tarde pra sentir os primeiros ventos de quase agosto. eu vou estar onde teu olhar não mais alcança, sempre esperando que sejas feliz.

com afeto,
Salvador.


quinta-feira, 19 de julho de 2018

. singularidades .

às vezes sou tomada por pequenas saudades... nesses dias, sinto saudade de tudo: do café que esfriou na xícara, do livro que terminei de ler há três dias, do amor que senti quando tudo era manhã, dos lugares por onde passei, dos amigos que moram longe e também daqueles que estão por perto. passo dias assim, vivendo dentro de pedacinhos de saudade que eu nem sabia que existiam. falo pouco sobre mim, porque nesses dias não sou muito minha. falo pouco sobre tudo, porque perco também o jeito que me resta de falar das coisas do mundo. fico aqui: dentro dessa saudade que muito me rouba, sem sequer me pedir nada em troca.

nesses meus dias, de sentir saudade de tudo, faço pouco (ou quase nada) pra que ela vá embora. compreendo que, no fundo, somos feitas uma da outra. damos importância a coisas pequeninas, enxergamos formas nas nuvens, colecionamos poemas, guardamos fotografias quando elas revelam flores... porque saudade é um tanto diferente de falta. não tem sinônimo: é feita dela e só. não é como a lembrança, que a gente substitui facilmente por uma ou outra memória. saudade não tem troca, nem se faz por aparências ou ilusões. existe porque quer existir, e carregar a gente nela é sua forma de dizer sem causar espanto e de ser sem tremura... 

...tem um pouco de jeito de se alojar pelos dias bonitos, aqueles que são bem vividos... um reflexo, ainda que meio embaçado, das horinhas de descuido em que fomos felizes... por isso, quando ela vem, sendo singular ou plural, dou-lhe asas, silêncio e pouca pressa. existo nela também, no meu jeito meio lento de viver, os olhos carregados de imensidão, um amor sentido por essa chance de companhia, a certeza de guardar dentro dela as partes mais bonitas do caminho...


terça-feira, 10 de julho de 2018

. reflexo .


vez enquando, naqueles dias em que tudo ameaça ser sombra, 
ouso tocar as estrelas com a ponta dos olhos.
os mesmos, que se apertam míopes pra enxergar distâncias, que se comovem com letras de amor, que se encantam pra alcançar os teus.
desenho pequenezas no vento, na esperança de 
que toquem teu rosto onde quer que esteja.

sente? sente daí essa brisa fresca do entardecer de um inverno tropical,
 fazendo carinho na ponta do teu nariz?
sente como é frágil viver entre sombras, tempo e canções?

sou mais do silêncio que da prosa. 
mais do verso que da companhia. 
mais da vida que do amor.

guardo ilusões de espaço, cor e outono, pros dias em que não sei viver direito. 
e também para aqueles em que sei...
tenho coração disperso. e infinito na horizontal, como água correndo no mar.

mas quando ouço do teu peito, aquele tempo sobre pisar folhas secas e colorir o mundo com todos os tons de azul, me esqueço. 
e muitas vezes quase adormeço, na delicadeza que paira, 
vinda do teu jeito simples de existir...