domingo, 18 de março de 2018

. [do livro de cartas] ensina-me a esquecer .

querida Bisa,

quanto tempo se leva para esquecer alguém? li uma vez, nos jornais, que uma pena em voo, demora cerca de 8 segundos para voltar ao chão, independente da força do vento. achei bonito. deveria ser esse também o tempo do esquecimento: pequenos segundos e pronto! tudo encaixado delicadamente em sua gaveta de lembrança. no entanto, já são 77 dias, 12 horas e 53 minutos em que esquecer tornou-se verbo futuro, sem intenção de presente e desconhecido de passado. e eu, andando triste, sofro sem saber sua conjugação. 

o amor desaconteceu, Bisa (se é que essa palavra existe). voltou pros livros que conservo em fila na prateleira do quarto e prometeu não voltar em sua antiga versão. não pude sequer contestar sua decisão: disse-me que estava machucado e que suas feridas poderiam me ferir também. temi tamanha coragem dele, porque já vem chegando o outono e sabe-se bem que não sei chorar na estação das amenidades. não sei também me desvencilhar de detalhes, por isso essa dificuldade em descobrir o tempo certo dos esquecimentos. mas se não aprendo logo como deixar que partam as memórias, ainda que inventadas, do que farei meus novos poemas? 

sei que nas suas anotações entre os cadernos e as receitas, deve existir algum conforto pros meus dias. então, se tiveres a intenção de me escrever de volta, me ensine em palavras leves e sem muita dor, uma simplicidade que me livre da lembrança e que me cure esse desgosto em viver. ainda guardo uma esperança insistente e valente, dentre os versos que nunca mais li...

com carinho, 
Alice.



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