terça-feira, 11 de setembro de 2018

. part.ir .

ei, cê pode ficar se quiser. não precisa bater a porta assim, tão depressa. ainda tenho lembranças doces e um pouco de camomila para fazermos um chá enquanto cê se decide. eu sei que não há muito mais em que se pensar, afinal logo chega o carnaval, daqui a pouco é verão, em breve não teremos mais tempo. mas alguma parte aqui dentro de mim não acredita no esquecimento. e essa é a mesma parte que tem a romântica certeza de que, como disse Carl Sagan, "somos feitos de poeira de estrelas". pense que bonito: ser uma partícula desses seres pequeninos, que alumiam nossas noites e cuidam dos nossos dias…

não sei, mas essa ideia toda de universo e infinito, me comove a esse ponto de achar que cê deveria ficar. até deu, na previsão do tempo, que vai continuar fazendo chuva pelos próximos 21 dias. as lavandas que plantamos devem começar a florir ainda antes da primavera. cê não leu nenhum dos poemas que escrevi e isso vai lhe tomar muito tempo. tenho planos de ir embora no próximo ano ímpar e não sei se vou voltar. as janelas estão todas abertas e assim permanecerão, para que a gente consiga respirar sem se machucar. viver é isso, afinal? ver partir de solavanco, tudo o que construímos com tanta delicadeza.

já sei que vais dizer que não. que a vida também pode ser essa porção de ondas e curvas, que às vezes nos colocam frente a frente. e outras vezes nos afastam, sem dizer ao menos o porquê. mas olha, se cê alguma vez acreditou na gente, essa talvez seja a hora de remar contra a maré, insistir mais um pouco, fazer algum plano, esboçar alguma alegria, ficar mais um tempo, contar do seu último trabalho, colocar tua música preferida e dançar ali, no meio da sala num sorrir sem fim.

nunca foi do meu feitio ser insistente assim, bem sabes. sou dada a silêncios e a respeitar desejos, por mais que eles possam ferir. mas é que às vezes, a gente só precisa de um empurrão, pra deixar de ser tão cabeça dura. cê sabe que vai sempre poder ir embora quando quiser. tenho cá meus sonhos, sei também que cê tem aí os seus e que em alguma hora, eles vão nos agraciar com um belo voo rumo à realidade. mas olha, só por hoje... caso cê escolha ficar, eu não lhe prometo mais muita coisa, além de um jeito inteiro de ser feliz e de respirar sem tanto hesitar.

fica!



sábado, 8 de setembro de 2018

. breve poema presente .

ouço uma canção antiga, em meio ao teu programa de rádio preferido.
de certa forma, ela canta: "onde quer que estejas, sei que pensa em mim como penso em ti".
pretensão minha: achar que pensas em mim. que me fala às tuas paredes. que me encontra em tuas esquinas.
sou só um poeta... que acha graça no passar do tempo; que tem mais metáforas que lembranças; que sabe de cór todo o alfabeto francês.
só alguém. 
que já farto de andar vazio, achou no vento um jeito de se preencher. 
que já exausto de ser companhia, viu na solidão uma maneira fácil de não esquecer.
que já um pouco velho, e tão antigo, não sabe bem portar as palavras na voz. e por isso acha melhor escrever...
vê? desde que chegaste, nas canções desse programa de rádio, faço uma rima por dia, na esperança de que cê leia.
e perceba em minhas entrelinhas, toda extensão desse tão simples bem-querer.
que é teu, embora diante de ti, eu sempre encontre a maneira mais gentil de me pertencer...


terça-feira, 4 de setembro de 2018

. [do livro de cartas] somos infinitos .

Salvador,

ando por essas ruas sem saber ao certo pra onde elas irão me levar. às vezes sinto saudade, mas é como vento que toca o rosto da gente e logo passa... soube, nesses meus dias de mais silêncio, que é preciso muito pouco para se viver. pensei também n'ocê, nos seus sonhos desfeitos, e por alguns instantes cheguei a questionar de que adianta os meus tomando forma, se cê não tá aqui pra dividir as alegrias comigo. 

teria sido diferente se cê tivesse ficado. mas sei, e cê sabe ainda, que de certa forma eu também escolhi partir, mesmo sem ir embora por inteiro. porque, Salvador, por mais que a gente siga nosso rumo, vai sempre ficar um pouco da gente em cada canto por onde passamos. e cê tem muito do meu bem-querer, da mesma forma que carrego um tanto do seu jeito de sorrir e de voar. 

hoje, querido, no entanto, compreendo que todas as perdas que desenhamos pelo nosso caminho, foram suficientes para nos estabelecer distâncias, como essa que vivemos agora. ando tão vazia, catando pedaços de mim que foram se desmanchando pelo chão. Bisa me disse, ontem à noite, que é mesmo assim que acontece quando o amor se transforma: a gente vive uns dias dentro de um não pertencer a lugar algum. fica ali, pairando entre as sensações de estranheza diante do próprio corpo e do alívio em ver os olhos lacrimejarem diante do espelho. 

depois a gente se preenche de novo... mas de um jeito diferente, que diz muito sobre ser da gente mesmo, arriscando até algumas flores coloridas diante das janelas. por isso, Salvador, pela primeira vez em tantos anos, desejei com ânsia a chegada da primavera: pra entrar num jeito de viver entre mais cores, mesmo sem perder essa minha tão acostumada melancolia.

desejo-lhe, então, nada mais do que lhe disse ao telefone naquele domingo chuvoso: que sejas feliz. uma felicidade tão grande, capaz de lhe doer as bochechas diante do mais largo sorriso. talvez eu não tenha mesmo aprendido quase nada sobre o amor, meu querido. talvez eu vá mesmo viver sempre entre reticências e nuvens, sem nunca conseguir pousar... talvez eu precise mesmo seguir seu conselho, ser menos generosa e mais pé no chão, pra que o amor me aconteça de uma vez certeira, sem tanta ilusão. talvez tenha chegado mesmo a hora de ir embora de uma vez, querido, mesmo dentro da certeza de que, no fundo, eu já parti bem antes de você.

ainda assim, vai ser sempre com amor,
Alice.