terça-feira, 29 de setembro de 2020

. tempo de ipê .

  .nessa época de setembro, os chãos que já tiveram sorte, ficam todos encobertos por sementes de ipê amarelo. cheias de leveza, elas dançam de um lado pro outro quando venta nas calçadas. destemidas, invadem as casas e os quintais de perto sem sequer pedir licença. esperançosas, aguardam que alguma chuva seja capaz de fazê-las brotar num seco chão qualquer que deseje receber mais vida. mas em setembro pouco chove. fica assim: esse baile de coisinhas miúdas, terra vermelha e céu azul, vistos por toda janela. pode-se limpar a casa todos os dias, que sempre estará suja. mãe diz que é normal, que antigamente também era assim, tudo seco demais desde agosto, embaçado que nem olhos de gente que pouco enxerga. mas me lembro que um dia, era um setembro diferente, e no dia primeiro de primavera, choveu. sei porque era teu aniversário: as cadeiras molhadas de festa que não acontecia porque chovia. cê nunca foi de ligar muito pra essas coisas, ao contrário de mim, que tenho sempre chuva e ausência em meus dias de novo ano. lembro também, como se fosse hoje: cê subiu as escadas depressa e eu achei que ia era tirar tudo, a festa toda, de lá do terraço pra que não molhasse. mas do seu jeito sempre aberto, cê ficou lá parado, quieto, sorria miúdo, na parte pequena que era coberta, olhando a chuva caindo, caindo… eu nem tive coragem de xingar, de dizer que as pessoas fossem mesmo assim, ou de abrir a porta pra que elas pudessem entrar: era tudo tão bonito do jeito que tava, que eu fiquei parada do seu lado direito, compreendendo porque é que eu nunca tinha ido embora. e porque é que jamais iria. desde então, nunca mais choveu em setembro, com exceção desses últimos dias de inverno desse ano esquisito. fez frio. eu olhava o ipê da minha rua, pela janela, e via que as sementes continuavam seu ciclo de voar no vento, pousar em quintais, esperar brotar… e pensava, então, que fizesse chuva ou fizesse sol seco, as coisas, as mais importantes, insistiriam em existir. assim como o ipê amarelo que mora na rua de casa. assim como o amor vivo que ainda mora dentro de mim...


Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Acho que era o que precisava pra enxergar o dia de hoje diferente. Um história tão bonita assim tem que ser escrita, pra gente sentir também. Obrigada por isso.