quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

. [rascunhos] part.ida .

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propuseram-nos dias para tratar do esquecimento. 
era preciso, entre um desajeito e outro, estabelecer uma distância comum, conter o desejo da fala, controlar a ânsia da voz, medir a pressa do sonho. 
eu, que nunca fui muito boa em esquecer nada que vive do lado de dentro, passei dias de profundo silêncio. 
em que cortei os dedos com faca de cozinha, 
queimei a língua com chá de camomila, 
quebrei os óculos que mais gostavas, 
manchei de lavanda minha única roupa branca. 
tudo por andar distraída, nessa ideia de que partir, não sendo mais novidade, deveria ter se tornado em mim, uma tarefa habitual. 
como o café que se toma ao acordar, 
como os sapatos que se calça antes de ir à rua, 
como a mão que toca as rosas de jardim só por achá-las bonitas demais para permanecerem apenas nos olhos. 
fala-se muito sobre deixar ir, sobre obedecer as nossas vontades e respeitar a nossa individualidade. 
mas, há de convir comigo que, muitas vezes, a gente só quer permanecer. 
sem qualquer regra ou sintoma de adeus, 
sem qualquer força ou coragem nos pés, 
sem qualquer padecimento ou velocidade na alma. 
não se pode ter, no tempo, o amor e a destreza presos em uma mesma frase. 
mas se pudesse, daria a minha vida (e também a tua) para que as memórias encontrassem uma maneira de fim...



Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Esse eu já tinha lido e tive que ler de novo. A vontade foi de pendurar na minha porta. Tentarei fazê-lo.