agoou as plantas que cresciam delicadamente no parapeito da janela. aprendeu a cuidar delas da mesma maneira que se trata a melancolia: com dedos leves, o olhar sereno, coração em pausa. na minuciosa tarefa matinal, retirava uma a uma as folhas apodrecidas pelo tempo, para que outras novas pudessem nascer ali, naquele espaço vazio. todos os dias encontrava ao menos uma vencida pelo envelhecer, principalmente quando se instalava por perto o outono, em sua árdua tarefa de cuidar dos reencontros e dos recomeços.
daquilo era que ela gostava. e daquilo era que ela construiu um pouco do jeito de enxergar o mundo: ali, por detrás daquela janela tomada por florezinhas miúdas, tudo tinha outro tom. o céu parecia colorido à giz de cera e as nuvens eram salpicados pedaços de algodão. a sombra desenhada pelo sol depois de extensos dias de chuva, formava nas paredes uma verdadeira dança sem música, que pouco a pouco a fazia sorrir. o reflexo das folhas das plantas, projetado por seus olhos espremidos-para-enxergar-melhor, dava dimensões incríveis do que era a vida de dentro, encorajada de fora pelo arrastar das horas de abril.
tudo aquilo era tão dela, que pouco tempo tinha para deixar de ser. foi se moldando o verso, sem nunca se fazer poema. foi se costurando a harmonia, respeitando o agora das pausas, o ontem dos sustenidos e a suspensão dos bemóis. vez enquando, até batia uma dor fininha no peito, formada pela soma de um sopro de vento que nunca se soube de onde vinha, com a certeza de uma solidão sabida, repleta das respostas de “como”, “porquê”, “quando”... a astúcia dos silêncios fez dela uma pessoa tão atenta ao ouvir, mas roubou-lhe a forma de transformar verbos em algum plural. e de fazer do caminho uma travessia de mãos dadas e exatidão.
(...)
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