Te vi pelo reflexo do espelho, por detrás dessas lentes
grossas da sua miopia. Tão bonita, que se estivesse mais perto, eu não saberia
nem o que te dizer. Talvez arriscasse, num sorriso meio frouxo, resmungar que
já tem dias que não faz sol pelas manhãs e que, embora eu tenha tendência à
melancolia, não faz bem aos meus pés gelados tanta umidade de chuva. Talvez você
me sorrisse. Ou, vai ver, me questionasse, em perguntas que eu não saberia sequer
responder. Na verdade, por muitos dias eu cheguei a acreditar que, quando fosse
outono, você deixaria de ser tão só. E, quando chegasse o inverno, você bateria
na minha porta com biscoitos cobertos por chocolate e uma caixinha de chá de
maçã e canela, em um sábado gelado qualquer. Eu não gosto de chocolate e você
bem sabe que não sou chegado a tantas doçuras. Mas me alegraria ver seus olhos claros
quebrando meu silêncio e a escuridão da minha casa pequena no vigésimo segundo
andar. Eu trocaria meu sofrimento por meia dúzia de palavras suas...
Talvez eu devesse te dizer que tudo isso é uma vontade
delicada, mas muito grande, de erguer paredes, pintar janelas de branco, trocar
as luminárias, consertar o encanamento, comprar margaridas amanhecidas no
mercado, ter geleia e pão nos armários, um tapete felpudo na sala, novas fotografias
nas paredes do quarto, me (re) construindo em uma nova vida. Simples.
Diferente. Que você veria por detrás de suas lentes grossas. Que descansariam
todas as noites depois das onze, esquecidas no criadinho ao lado das minhas...
Um comentário:
Outonal! Torço por essa (re) invenção e por dois pares de lentes juntinhos no criado, toda manhã de sol ou não!
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