sempre tive uma maneira só minha de lhe esperar. gostava, ainda há pouco, de olhar todas as tardes pela janela da frente, em busca de um vestígio, uma pista, um segredo que pudesse te trazer de volta. ao encarar as outras pessoas, procurava nelas, quase sem perceber, uma única coisa que se assemelhasse ao jeito que cê tinha de participar de mim: com a ponta dos pés, com os olhos firmes, com as direções contrárias, mas sempre, sempre, me lembrando o melhor de mim, sem pedir nada em troca, sem desejar que eu respirasse ou caminhasse de uma outra forma que eu não sabia ser...
penso, Salvador, que cê deveria ter me desentendido. seria mais fácil me acostumar com as coisas dispersas do mundo, se cê não tivesse me ensinado um bocado sobre reciprocidade, liberdade e amor. mas eu te perdoo... perdoo por tantas partidas que foram me partindo ao meio e me tornando mais ampla, maior, mais certa de mim. perdoo por não ter escolhido ficar porque no fundo, no fundo, talvez nem eu mesma escolhesse. perdoo por ter entrado em minha casa e feito dela um lar tão seu, que nem querendo muito, eu consigo te desassociar de cada canto de mim.
mas olha: eu comprei tintas pra pintar as paredes de outra cor, eu aumentei a estante com livros que cê ainda não leu, eu voltei a usar aquele chinelo amarelo que cê não gostava, eu ando tentando conversar amenidades com outras pessoas, e ontem eu coloquei café no leite frio e até te achei meio errado quando dizia que um anula o sabor do outro. aos poucos, querido, eu espero conseguir não esperar mais nada: nem a sua volta, que bem sabemos - não vai mais acontecer, nem alguém que se assemelhe ao seu jeito de viver - é certo que isso também já se tornou ilusão.
não responda essa correspondência. ela é um último sinal definitivo de adeus.
os outros sinais, já havíamos dado há muito tempo. só não soubemos perceber...
vai ser sempre com amor,
Alice.
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