quarta-feira, 19 de julho de 2017

. [do livro de cartas] é só tristeza, Bisa .

dia desses, Bisa me perguntou: 

- que foi que aconteceu procê ficar triste assim, minha pequena?

eu não soube responder... e me entristeci mais ainda, quando cá no fundo do peito, eu tive a certeza de que essa tristeza vinha mais d'ocê do que de mim. e nem sabendo disso ela virava alguma coisa que eu podia controlar.

a gente já sabe que a gente não controla o que é do outro. e a tristeza vinda assim, da sua forma de existir em mim, foi me deixando cada vez mais miúda e apertada, dentro do meu próprio coração.

acontece que durante todo esse tempo, Salvador, cê foi cuidado por mim pra nunca se tornar uma parte comum no meio dos dias. mas aí, cá me deparei com o pensamento tentando te transformar num pedaço mais próximo quando, na verdade, cê tinha que ficar aí mesmo, criando raiz dentro do meu sonho. 

e só.

foi tudo sem querer. e acho que foi aí que eu te perdi: quando te transformei em realidade e ela passou a doer mais que corte de navalha. 

aí foi-se embora meu viço. e meu brilho nos olhos também. porque tinha guardado n'ocê esse tempo todo, a minha única esperança de amor. e é triste ver o amor esvair dos dedos da gente, que nem água limpa de nascente e riacho.

eu queria que fosse ocê, Salvador. e eu sempre quis, mesmo antes de lhe conhecer. mas o tempo pode ser um pouco cruel às vezes, e fazer com que a gente esqueça o que deveria lembrar e viva o que foi feito pra esquecer.

mesmo assim, com todo esse pranto desencontrado, eu espero que cê me guarde em suas doces lembranças, de um tempo em que a gente não precisava de tanta explicação pra existir.

te guardo no peito.
e é sempre com amor,

Alice.


Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Débora,

Curiosidade: quando esse livro de cartas vai ser publicado em matéria, papel, pra eu poder ler e reler todos os textos em qualquer lugar e a qualquer hora que eu quiser? Isso é projeto? Porque do jeito que a sua métrica é tão perfeita, eu acho um absurdo que não seja.

Sobre o texto... Sinestesia. É o resumo. Da mistura. Do jeito que cada parágrafo me transportou. Dessa maneira como você faz a dor ser algo tão manso, que por um segundo a gente até se ilude que não dói. E não deveria doer.

Eu queria mesmo é existir, sem explicação.