quarta-feira, 18 de maio de 2016

.[do livro de cartas] sobre os começos.

Bisa,

É com alegria (e um pouco de espanto) que lhe escrevo. Alegria porque consegui seguir sua receita e preparar minha primeira geleia com morangos e açúcar mascavo. Mãe disse que acertei no ponto e no gosto. Sorri.

Aí a senhora deve se perguntar de onde vem o espanto. E eu digo: é da vida, Bisa. E das voltas que ela dá enquanto a gente só tenta acompanhar os ponteiros do relógio. A gente acha que está fazendo tudo certo, não é? E troca uma porção de incertezas por um lote novo de ilusões. Não sei se isso é bom, ruim ou invariável. Nem sei também se faria tudo diferente se hoje fosse ontem e eu tivesse, outra vez, a chance de escolher pra que lado ir. 

Me confortam suas previsões ao dizerem que estou caminhando bem pelo meu destino e que logo logo eu chego onde sempre quis estar. Faz-me pensar que isso tudo é passageiro e assim justifico meus vazios. 

Mas me assusta a parte de amar, Bisa. Porque sempre achei que o amor não me coubesse e é aqui que lhe conto um segredo: é que por hora, acho sim que o aprendi nessas últimas semanas de outono em flor. E percebi que ele tem muito mais a ver com 'um ver o outro sorrir' do que com o nosso sorriso em si. Compreende? Essa coisa de querer que o outro seja tão feliz, mas tão feliz, que chega a nos doer a sua tristeza e a nos conformar a lutar por sua alegria, por mais que ela nunca seja vivida ao lado nosso. 

Eu sei... você vai me dizer que sentimento não é coisa que se aprende, nem se teoriza, nem se descreve dessa forma tão confusa. Mas se não for isso (amar) acho que quero morrer sem saber, Bisa. Porque tenho achado tão bonito isso de passar os dias com o coração cheio, os olhos em brasa, a cabeça voando, ainda que com tanto-não-saber-onde-vai-dar-porque-ainda-não-se-pode-chegar-a-lugar-algum, que não quero que o amor seja outra coisa, nem que nasça em outro ninho.

Ando tranquila, Bisa. Uma tranquilidade que chega a beirar a paz. Mas não larguei mão da minha melancolia, não se preocupe. É ela quem comanda meus discos, minhas cartas, meus quadros, meus poemas. É ela que me finca os pés no chão, enquanto o coração só quer flutuar por aí, numa liberdade gostosa de quem encontrou um lar pra onde voltar.

Sinto saudade, Bisa. E ela é doce como a segunda leva de geleia de morango, que deixei esfriando na cozinha. 

com amor (e menos espanto),
D.



Nenhum comentário: