domingo, 6 de janeiro de 2013

. retrato .

quando vi seu retrato na parede, pensei com o coração aos prantos, que era evidente que não existiam sequer mais semelhanças. eu, que passei a vida inteira sonhando pequenezas e simplicidades, entendi que ficar ali, diante daquele quadro pra sempre (ou pelo resto de tempo que fosse), exigiria em mim uma mudança brusca, que me levaria para o caminho óbvio do 'acostumar-se ia'...
acostumar-se ia a passar as tardes de sol por trás das janelas.
acostumar-se ia a deixar a louça sempre limpa, as mãos sempre prontas, o quarto sempre de pé.
acostumar-se ia a se vestir sempre em ordem, com os cabelos compridos e regrados, os dedos vazios de anéis.
acostumar-se ia a levantar todos os dias, preparar o café com torradas e geleia, com a mesma vista em frente, por mais 25 anos.
acostumar-se ia a sonhar mais ou menos, a comer mais ou menos, a caminhar mais ou menos, a se emocionar mais ou menos, a amar mais ou menos.
talvez isso não fosse assim tão ruim. mas pr'aquele momento era. porque eu quis tanto, tanto a euforia de noites longas e a paz de domingos acordando, que por pouco quase me esqueci. que o que tive o tempo todo sempre foi um retrato... antigo, amarelado e desbotando traços. com sonhos guardados no fundo das gavetas e um sorriso frouxo de "deixa o dia amanhecer" porque ainda se podia acreditar em manhãs azuis...

Um comentário:

Felicidade Clandestina. disse...

Meu coração deu mil palpitações.
Que texto transbordante de sinceridade...
Meus olhos estão cheios pelas tuas palavras, mas não só os olhos, meu peito tambem, pois muito me identifiquei. Parabéns por saber escrever dessa forma, assim de tocar a gente bem fundo. <3