domingo, 31 de março de 2019

. [do livro de cartas] estampa .

Salvador,

todas aquelas canções continuaram tocando no rádio, mesmo depois de tanto tempo. não lhe escrevi nesses intervalos breves, porque preferi assim: o gosto doce dessa ausência me enche de melancolia, e bem sabes como gosto da presença dela.

algumas coisas Salvador, nunca serão esquecidas: é preciso fazer um esforço danado para deixar de lembra-las entre um passo e outro. mas passado o verão, eu fico sempre com a impressão de que as coisas vão melhorar: podemos ter frutas frescas todas as manhãs, tomar um thé à la camomille antes do pôr do sol, pisar folhas secas que amontoamos com as mãos, fingir que nada aconteceu e seguir por aquele caminho que nos parecer mais longo.

torço pelo dia em que todas essas coisas miúdas vão deixar de te trazer pra mim, Salvador. e também, pra que desapareça da minha sombra, essa ideia tola de que era ocê a pessoa com quem eu sonhei um pedaço bom da minha vida. é um esforço contínuo, eu sei. sei também que, na realidade, essa coisa de lembrar e esquecer, só funciona mesmo quando deixo de me importar. e quando não me pergunto, sempre que se achegam os domingos, como foi que passaste pela vida e pelas distâncias de nós.

vai chegar o dia, querido, em que teu nome estampado no tom das canções que cuidam de meus ouvidos, vai se parecer com um zumbido de estrelas. aí, elas vão cintilar nos meus olhos e tocar todas as minhas lembranças, com a mesma leveza das manhãs de abril. enquanto isso não acontece, continuarei contando no meu calendário invisível, os dias em que te esqueci...


sempre com amor,
Alice.



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