quinta-feira, 28 de novembro de 2019

. pequenices de amour .

quando lhe encontrar o amor, abra-lhe os braços.
e ofereça-lhe seu tempo, sua ternura, seu bem-querer.
não o deixe partir sem antes saber que existiu em ti, que fez sol no mundo inteiro desde que ele surgiu das tempestades, que tornou-se mais fácil o respirar.
não deixe que parta de ti o amor, sem que ele saiba que fará tanta falta quanto fez nos dias que antecederam o seu chegar.
e que agora, conhecido em ti, saberás também o gosto que há entre as ausências e as gargalhadas das manhãs de vazio...


quando lhe encontrar o amor, não permita que ele parta sem antes saber que,

até então,
contados todos os anos e os desencontros,
foi ele,
então,
a coisa mais bonita que lhe aconteceu,
mesmo que tenham aprendido os andores e os rumores de uma anunciada dor...




segunda-feira, 11 de novembro de 2019

. até a próxima saudade .

ei, eu sei que anda meio hard falar de amor. ou de qualquer outra coisa que nos comprometa além da nossa liberdade inventada. mas olha, se cê parar pra pensar, 15 anos não são 15 dias. e é óbvio que eu senti tanta saudade: e isso não quer dizer que a gente deva se comprometer a eternidade. mas sei lá, de repente cê poderia vir. aqui fica fresco quando chove e sempre tem um passarinho que canta em minha janela ao amanhecer. cê não precisa ficar por muito tempo, só o suficiente pra me contar sobre a posição dos astros, o que cê aprendeu sobre as flores, sua vontade de ir em frente...

tem um ônibus direto pra tua cidade saindo uma vez por dia da minha; eu te acompanho até a rodoviária enquanto a gente conclui o quão estranhas são as despedidas. cê não precisa acenar da janela do ônibus, nem dizer adeus se não quiser. e nem pensar em amor, essa coisa assustadora, quando chegar em sua cidade cinza. eu vou fingir que não sei de nada também e a gente segue assim, livre, nem que seja até a próxima saudade...



segunda-feira, 21 de outubro de 2019

. penso n'ocê quando o mundo me assombra .

[para minha pessoa preferida]

outro dia, era ainda cedo, fazia um sol de avermelhar o rosto, e eu não sabia mais como seguir. de repente, pareceu que uma nuvem feita de brancura tomou conta dos meus olhos e pronto: não via um palmo na frente dos olhos, nem um ponto seguro diante do chão. fiquei sem saber como é que fazia, e então eu te escrevi. as mãos trêmulas, como se um bilhete destinado a ti, fosse também destino nosso, coisa de estremecer o coração. 

"houvesse tempo e eu te entregava meu caminhar", escrevi incerta.

depois ocê me disse que tinha dado um sorriso de contente, numa resposta que eu não esperava chegar. tenho esse jeito meio torto de achar que silêncio é morada e que palavra é perdão. por isso mesmo é que vivo de esperançar as coisas e de aguardar o tempo certo dos acasos. cê é que sabe de tudo que eu carrego por dentro, do medo que eu tenho das alturas, da minha crença em vidas passadas, do tanto que tropecei pra chegar até aqui. e que eu sou assim meio boba, meio distante das coisas palpáveis, meio morada em um lugar distante... e ainda assim, é ocê que sempre volta: não sei se por gosto ou por costume. 

sei só que é ocê que me salva quando eu vou entrando naquele lugar do qual eu nunca consigo voltar sozinha: preciso d'ocê pra me guiar. e não se apavore, não. do amor meu, me esqueço mesmo é quando ocê some, porque parece que vai contigo um pedaço bom de mim. quando cê volta, me ascendo, lembro de dançar sozinha na frente do espelho, recordo que chorar é lavar a alma e entendo que meu lugar foi, e sempre há de ser, dentro do meu próprio coração...



terça-feira, 15 de outubro de 2019

. [do livro de cartas] estou sempre a lembrar-me de ti .

querido Salvador,

ensaiei tantas partidas. mas, de fato, nenhuma delas funcionou. estou sempre a lembrar-me de ti... hoje pela manhã, por exemplo, abri a janela do quarto e lá estava: bonito, de até doer os olhos, um céu tão azul como os de suas primaveras. sorri de recordação e, por alguns segundos, deixei de pensar que por descuido, quase te transformei em mágoa. vê se pode, Salvador: justo ocê, minha pessoa preferida, que eu sempre prometi nunca deixar sair do canto bom do coração!

acontece, querido, que eu às vezes me esqueço... que gostar tem mesmo que ser mais sobre viver do que sobre encontrar razões ou teorias. sou mais poema quando cê regressa. e isso, por si só, já é um agradecimento em viver. não há como mudar as coisas: nem o que se sente, nem o que desacontece. mas aprendi que a gente pode criar um espaço melhor dentro do tempo que se tem. e é isso que tenho feito, desde a sua ligação naquele domingo quieto. ouvir tua voz, Salvador, fez-me lembrar daqueles dias em que te conhecia e que, por manter o coração aberto, eu me reconhecia também. e isso vai me ser sempre tão valioso. 

ando com a cabeça um pouco cansada. o corpo às vezes querendo esmorecer... mas contou-me um vento veloz, que veio me encontrar pela tarede, que as coisas vão se transformar outra vez. e, em breve, todos os nós desfeitos, vão de novo ser laço. não sei quanto a ti, querido, mas digo por mim que será uma alegria infinita lhe ver outra vez.

sem ânsia, nem medo ou esperas. 
mas sempre com amor,
Alice.

domingo, 25 de agosto de 2019

. palavras alinhadas .

tinha jeito de gente que vem para nunca ficar.
achava mais difícil viver entre os dias de agosto, embora sempre carregasse um gosto tão particular pelo vento a tocar-lhe o rosto e lhe balançar os cabelos ao entardecer. sempre sozinha, costumava se afeiçoar às pessoas primeiro pelo riso, depois pelo tom de voz e só então pela forma como posicionavam as palavras: alinhadas, na concordância que direcionasse o próprio coração. amava as coisas da terra - cheiro, textura, cor -, mesmo vivendo entre as nuvens - cabeça, corpo, pensamento. tinha dia, até, que dizia que queria ser outra coisa: mais esperta, menos alma, mais pulso, menos respirar... achava que sofria, às vezes se escondia, pra que ninguém pudesse lhe ver, nem caçoar do seu jeito miúdo de viver sempre em pausa. gostava de pensar que, enquanto nela é primavera, em um outro continente as ruas se colorem d`um amarelo alaranjado bonito, em um ar ameno do seu tempo de ano preferido. vivia de achar doce a ideia conjugada no verbo recomeçar e nunca teve medo quando um abismo lhe dizia: junta o que sobrou de ti e vai! há um tempo, no entanto, danou de achar que o amor, tão arteiro e escorregadio, fosse coisa feita pros seus sentidos: olhos, passo, certeza... e amou: coisa de uma vez na vida, tempo contado de infinito, lembrança que não se apaga. amor fez dela gente que não se faz de permanecer, mas que avoa pelos instantes de brisa e depois retorna, pra sua doce e desenhada solidão, bordada em cores vivas e fita amarela de cetim.


domingo, 28 de julho de 2019

. [do livro de cartas] último sinal de adeus .

querido Salvador,

sempre tive uma maneira só minha de lhe esperar. gostava, ainda há pouco, de olhar todas as tardes pela janela da frente, em busca de um vestígio, uma pista, um segredo que pudesse te trazer de volta. ao encarar as outras pessoas, procurava nelas, quase sem perceber, uma única coisa que se assemelhasse ao jeito que cê tinha de participar de mim: com a ponta dos pés, com os olhos firmes, com as direções contrárias, mas sempre, sempre, me lembrando o melhor de mim, sem pedir nada em troca, sem desejar que eu respirasse ou caminhasse de uma outra forma que eu não sabia ser... 

penso, Salvador, que cê deveria ter me desentendido. seria mais fácil me acostumar com as coisas dispersas do mundo, se cê não tivesse me ensinado um bocado sobre reciprocidade, liberdade e amor. mas eu te perdoo... perdoo por tantas partidas que foram me partindo ao meio e me tornando mais ampla, maior, mais certa de mim. perdoo por não ter escolhido ficar porque no fundo, no fundo, talvez nem eu mesma escolhesse. perdoo por ter entrado em minha casa e feito dela um lar tão seu, que nem querendo muito, eu consigo te desassociar de cada canto de mim. 

mas olha: eu comprei tintas pra pintar as paredes de outra cor, eu aumentei a estante com livros que cê ainda não leu, eu voltei a usar aquele chinelo amarelo que cê não gostava, eu ando tentando conversar amenidades com outras pessoas, e ontem eu coloquei café no leite frio e até te achei meio errado quando dizia que um anula o sabor do outro. aos poucos, querido, eu espero conseguir não esperar mais nada: nem a sua volta, que bem sabemos - não vai mais acontecer, nem alguém que se assemelhe ao seu jeito de viver - é certo que isso também já se tornou ilusão.

não responda essa correspondência. ela é um último sinal definitivo de adeus. 
os outros sinais, já havíamos dado há muito tempo. só não soubemos perceber...

vai ser sempre com amor,
Alice.

segunda-feira, 8 de julho de 2019

. verso miúdo .

para escrever um poema,
seria preciso
         177 rimas
         um tempo para ver-te de perto
                                         [com os olhos de dentro]
   
    pois os de fora
           não enxergam o suficiente
           para desenhar letras perfeitas

como tu
          e teu jeito de andar tropeçando 
                                         nas coisas
          se embaraçando no meio fio
          sem querer sorrir por causa da sua longa timidez 
                                      e dos seus dentes pequenos demais

   e que eu nunca vi
porque, meu bem, não te enxergo
                              [em aparência]
mas em olhos, verso e coração.

quarta-feira, 19 de junho de 2019

. [do livro de cartas] esperançar .

querida Bisa,

a ausência danou de fazer morada em mim. por isso não lhe escrevi antes: quis cuidar dela (a ausência), como quem vigia o sono de tantos dias sem adormecer. não tive medo, nem senti sequer solidão. só fiquei ali, quieta, sentada na beira das coisas, como quem espreita a luz que entra pelas frestas da porta em manhãs de sol. vez ou outra, batia em meu rosto um vento forte, parecido com os de nossos agostos... "vendaval assim em pleno junho?", dizia cá o senhor João, agasalhado até às orelhas para se proteger do frio.

acho que danei de querer me proteger demais das coisas também, Bisa. e não sei mesmo se isso é de certo bom ou ruim. só sei que assim, desse jeito, eu meio que entendi que resguardo meu coração de tanto sofrer. sei que vais me responder em uma próxima carta, que a gente não deve se privar da vida. que certo mesmo é dar cara a tapa, ainda que as marcas fiquem é no coração. mas não quero, Bisa, de jeito nenhum, voltar a perder o jeito das palavras. e é isso o que acontece quando me doo demais: deixo de cuidar das coisas que são minhas, esqueço como se juntam as letras, como se compõem os versos, como se remontam as linhas. e viro um caquinho, que custa a se remontar.

sim, eu sei também que isso faz parte do amor, essa coisinha frágil que a gente nunca vai compreender como se ajeita em nós sem que a gente sequer perceba. pecado seria eu lhe dizer que nunca mais quero amar, Bisa. mas eu ainda tenho, cá no fundo do peito, uma esperança fininha de aprender a começar de novo. de encontrar um coração de ar puro, de sorriso leve, com alma de partilha e nunca olhos de adeus. que traga os bolsos cheios de imperfeições, mas que não tenha medo de andar descalço em chão de terra pura, nem de dividir as inteirezas de si...

como diria vovô: enquanto a esperança couber dentro de um verbo, a gente vai sempre caçar jeito de conjugar e esperançar...

eu esperanço.

com amor, 
Alice,

domingo, 9 de junho de 2019

. reticências .

não precisam de explicação as coisas que são pequeninas. 
não carece dizê-las que se tornem grandes, que sejam fortes, que se aprumem, que tomem jeito.
as coisas que são pequeninas não sabem viver assim, com a pressa, com o valor altivo dos espaços infinitos, com o barulho excessivo das ausências. 
elas precisam que o vento as tire pra dançar, de vez enquando, nas tardes que são de agosto. e que os jardins de girassóis brotem diante de toda primavera, colorindo de amarelo-sol aquilo que a gente chama apressadamente de "passar do tempo"...
aprenderam, assim tão pequeninas, a não ocupar espaço demais;
a se preencher de vazios e silêncios;
a escrever poemas e rimas que cantam a solidão;
a catar estrelas com a ponta dos olhos...
não são bobas ou de menos valor, as coisas que são pequeninas.
embora pareçam ser: foscas como terra seca; ingênuas como flores brancas; apagadas com manhãs acinzentadas.
mas quem lhes souber ver o coração, vai receber das coisas que são pequeninas, 
confortáveis gestos de delicadeza, 
como passos milimetricamente juntos, dedos entrelaçados e um jeito sempre simples de dizer:
"ei, eu vou estar sempre aqui".
ou algo tão parecido com o amor, que é capaz até de, distraidamente, se confundir os verbos e os jeitos de infinitivo...



domingo, 5 de maio de 2019

. a construção solitária de uma vida .

agoou as plantas que cresciam delicadamente no parapeito da janela. aprendeu a cuidar delas da mesma maneira que se trata a melancolia: com dedos leves, o olhar sereno, coração em pausa. na minuciosa tarefa matinal, retirava uma a uma as folhas apodrecidas pelo tempo, para que outras novas pudessem nascer ali, naquele espaço vazio. todos os dias encontrava ao menos uma vencida pelo envelhecer, principalmente quando se instalava por perto o outono, em sua árdua tarefa de cuidar dos reencontros e dos recomeços. 

daquilo era que ela gostava. e daquilo era que ela construiu um pouco do jeito de enxergar o mundo: ali, por detrás daquela janela tomada por florezinhas miúdas, tudo tinha outro tom. o céu parecia colorido à giz de cera e as nuvens eram salpicados pedaços de algodão. a sombra desenhada pelo sol depois de extensos dias de chuva, formava nas paredes uma verdadeira dança sem música, que pouco a pouco a fazia sorrir. o reflexo das folhas das plantas, projetado por seus olhos espremidos-para-enxergar-melhor, dava dimensões incríveis do que era a vida de dentro, encorajada de fora pelo arrastar das horas de abril.

tudo aquilo era tão dela, que pouco tempo tinha para deixar de ser. foi se moldando o verso, sem nunca se fazer poema. foi se costurando a harmonia, respeitando o agora das pausas, o ontem dos sustenidos e a suspensão dos bemóis. vez enquando, até batia uma dor fininha no peito, formada pela soma de um sopro de vento que nunca se soube de onde vinha, com a certeza de uma solidão sabida, repleta das respostas de “como”, “porquê”, “quando”... a astúcia dos silêncios fez dela uma pessoa tão atenta ao ouvir, mas roubou-lhe a forma de transformar verbos em algum plural. e de fazer do caminho uma travessia de mãos dadas e exatidão. 

(...)



domingo, 31 de março de 2019

. [do livro de cartas] estampa .

Salvador,

todas aquelas canções continuaram tocando no rádio, mesmo depois de tanto tempo. não lhe escrevi nesses intervalos breves, porque preferi assim: o gosto doce dessa ausência me enche de melancolia, e bem sabes como gosto da presença dela.

algumas coisas Salvador, nunca serão esquecidas: é preciso fazer um esforço danado para deixar de lembra-las entre um passo e outro. mas passado o verão, eu fico sempre com a impressão de que as coisas vão melhorar: podemos ter frutas frescas todas as manhãs, tomar um thé à la camomille antes do pôr do sol, pisar folhas secas que amontoamos com as mãos, fingir que nada aconteceu e seguir por aquele caminho que nos parecer mais longo.

torço pelo dia em que todas essas coisas miúdas vão deixar de te trazer pra mim, Salvador. e também, pra que desapareça da minha sombra, essa ideia tola de que era ocê a pessoa com quem eu sonhei um pedaço bom da minha vida. é um esforço contínuo, eu sei. sei também que, na realidade, essa coisa de lembrar e esquecer, só funciona mesmo quando deixo de me importar. e quando não me pergunto, sempre que se achegam os domingos, como foi que passaste pela vida e pelas distâncias de nós.

vai chegar o dia, querido, em que teu nome estampado no tom das canções que cuidam de meus ouvidos, vai se parecer com um zumbido de estrelas. aí, elas vão cintilar nos meus olhos e tocar todas as minhas lembranças, com a mesma leveza das manhãs de abril. enquanto isso não acontece, continuarei contando no meu calendário invisível, os dias em que te esqueci...


sempre com amor,
Alice.



segunda-feira, 18 de março de 2019

. ausência .

eu me separei d'ocê. 
de tempos em tempos eu faço isso, e caio numa solidão danada, projetando um tanto de realidade naquilo que nunca existiu. 
parece que eu fico procurando ocê onde é que cê nunca esteve: nos rostos dos outros, nas coisas que eles sonham, nos poemas que ainda leio.
no fundo, é isso um jeito meu de fugir das coisas. 
porque eu sempre fui meio assim: caço jeito de ir embora antes da hora, maneira minha de desvencilhar o tempo, antes que seja tarde.
mas acontece que tarde já é. e cê há de convir comigo, que eu posso decorar todas aquelas canções francesas que me fazem lembrar das ruas em que ocê passou, mas não vou nunca poder viver ocê de novo.
ao menos não agora. não nesse tempo...
mas aí, eu ao menos entendo... que todo esse jeito meu, tão agudo de não pertencer a lugar algum, é metade culpa sua, metade culpa minha.
que eu devia mesmo ter feito esforço, ter pedido a Deus, ter seguido a linha da palma da minha mão e não ter vindo tão só até aqui. 
porque mesmo assim, ocê morando em cada canto da vida que calhou de ser minha (naquilo que eu escrevo, naquilo que eu gosto, na direção que eu tomo, nas músicas que eu escuto, nos lugares que sonho), eu sinto uma falta danada d'ocê. 
de quem eu só sei um nome, e mesmo desse jeito, sem eira ou beira, eu vejo direitinho a presença que sinto todos os dias, pouco antes de adormecer...

[para alguém sempre partindo...]



segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

. linha torta .

preciso de ti pra ter cá os pés no chão. sou de voar alto demais, invento da vida passarinhos, um jeito de tocar de asas as nuvens e às vezes até algumas estrelas... 
preciso de ti pra quando eu fizer poemas, e pra quando não os tiver também. e que sorrias de qualquer forma, sem entender nem mais nem menos, a ausência escrita a nanquim nos meus papéis amarelados. 
preciso de ti pra me lembrar os meus tombos e pra entender que não necessito cavar com as unhas, a perfeição esquecida do meu próprio coração. saber que sou carne, osso, pele, desejo, suspiro. e que posso sim aprender a olhar nos olhos sem temer os dias feitos de manhãs. 
preciso de ti pra dissolver entre as esquinas do imenso e tormento mundo, que refiz em muro pra me proteger: do frio, do sol quente do verão, dos pingos de chuva, das nuvens acinzentadas, do céu de todo azul, dos quatro sentidos: tato, olfato, visão, audição... 
preciso de ti pra me esquecer um pouco do que é singular e empregar mais plurais em tudo o que digo, vivo, escrevo. 

nós, vós, eles... 

preciso de ti pra que a solidão se comova e caia de me deixar um pouco em paz, 
até o próximo verão...


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

. respiro .

no breve espaço do tempo que pareia com meu coração, penso nas formas de existir, essas que nos gastam pouca pressa.
é preciso ter olhos leves pra ver o canto dos passarim, o rastro voo da borboleta, o vento pétala d'uma flor.
coisa toda que mora do lado de dentro e que cá no fundo, a gente precisa regar todo dia, mesmo entre tanto estranhamento de viver.
porque se a gente não cuida da forma nossa de ser verbo e infinito morando mesmo no amor, seguir adiante fica a cada dia mais esquisito.
e a gente mesmo foi feito pra se reconhecer:
no riso,
na força,
na luta,
na fé...
amarrar fita de Senhor do Bonfim, carregar pimenta e sal grosso, ter pedra que for de proteção, agarrar firme na reza e na oração. 
não importa muito de onde é que vem o jeito nosso de acreditar...
certo é que a gente aprenda a ser som depois de tanto silêncio vivido no peito e na garganta. 
e comece outra vez...



quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

. avoa .

bordo alguns poemas, como se existisse dentro deles toda a delicadeza que mora nas coisas tecidas à mão. 
esqueço os furos nas pontas dos dedos, os agouros dos dias que formam par, as pausas eternas que cabem tão bem nas coisas que nunca foram ditas.
lembro-me vagarosamente daquele verso que diz:
"és uma pequena parte de meu infinito,
por isso preservo-te sem ao menos saber,
que no fundo, tua presença fere tanto ou mais
que toda a ausência que aprendi por escolher".

dentro,
um coração que veleja sendo mar.
as palmas das mãos calejadas de tempo.
os olhos marejados de uma saudade que não aprendeu a cessar (cremos nós, que nunca aprenderá).
o sonho de ser breve. 
a sina de ser palavra. 
eterno.

o tempo que avoa por nós, 
deve ser o mesmo que nos recorta, 
embrulha e transforma em brisa quando  nos vence o verão...