segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

. [do livro de cartas] enquanto flor .

minha querida Alice,

aqui, nessa cidade com tantos perfumes e flores, lembro-me de você a cada esquina. parece que todas essas cores que encontro, e que fingem existir apenas desse lado do mundo, foram roubadas do teu jeito de sorrir e de viver tão delicadamente. 

não devo mentir para você, Alice: dói pensar na tua forma de me esquecer. pois se bem sei, ela é tão definitiva quanto nossa noção de infinito. mas penso também, minha pequena, que no fundo, nunca esquecemos por completo: vai sempre existir, em algum canto qualquer, algo que nos faça lembrar do amor que tivemos e teremos por toda a vida, tão aceso dentro das nossas memórias, que é capaz de iluminar nosso coração inteiro.

hoje, se sei tanto sobre mim e tão pouco sobre ti, é porque aprendeste a beleza do silêncio e isso diz muito sobre as coisas bonitas que carregas dentro de si. é também, Alice, porque o tempo e essa minha distância escolhida, bem sei que fecharam teu coração para as desventuras do meu e, tão áspera responsabilidade da liberdade, sei que carregarei comigo por todos os voos.

não lhe peço perdão, nem espero que compreendas tamanha confusão solta nas linhas desse bilhete. mas não deixe, querida, que voz alguma desacredite o passo do teu coração, nem te atormente com amargas melancolias. guarde os olhos baixos para a chegada do verão.

enquanto isso, proteja-se do sol e da dor.

com afeto,
Salvador.





domingo, 2 de dezembro de 2018

. zelo .

escrevo num pedacinho de papel de pão, a palavra - aquela - que gostaria que lesses ao acordar.
aprendi a cuidar do tempo com zelo e com a mesma delicadeza das mãos vazias, que um dia se preencheram da tua dança.
coleciono memórias, como um álbum de figurinhas, que abro todas as manhãs só pra garantir mais um verso, dentro dessa vida que me escolheu.
"amanhã eu te esqueço. hoje é ainda cedo demais".
porque se te deslembro, perco também o jeito da poesia. tanto aquela que transborda na ponta do lápis. quanto aquela que carrego no brilho dos olhos.
esqueço dessa parte mais bruta do viver. volto a fazer poemas que não rimam, mas que carregam teus olhos apertadinhos de sol de meio dia.
cê não sabe, mas é ofício meu esse da palavra e do amor. 
e se te fiz morar dentro deles, em silêncio, é pra que nem sequer percebas... 
que é ali, depois daquela próxima curva, que o destino previu nosso voo.
"há de encontrar um lugar de ser céu"...
aqui.