terça-feira, 19 de junho de 2018

. [do livro de cartas] tempo .

minha querida Bisa,

o tempo passou por mim em uma velocidade quase incalculável. sabes bem sobre minha dificuldade com números e minha afinidade pelas coisas passageiras. então, sei também que compreenderás toda minha ideia de relatividade e meu sentimento de afeição por esses dias que correram por mim. 

tua última carta me tocou o coração de um jeito diferente. e descobri que toda aquela certeza de não ter, ainda, encontrado meus lugares de paz, talvez nunca passe. mas se posso lhe escrever algo com um pouco de alegria, arriscaria contar que o vento desses últimos dias de outono trouxe aqui um tanto de leveza, ao menos para as minhas palavras e meus pensamentos, que andaram tão anuviados em mim desde que Salvador escolheu partir. 

sei das coisas que não voltam mais, Bisa. aprendi a compreende-las belas assim, com tudo que ensinaram ao meu coração. me desfiz das mágoas, do pouco de barulho que ainda assobiava seus agudos em meus ouvidos, das ideias de que o amor, pra existir, precisa de uma outra ponta, além da que meus olhos enxergam no espelho. 

desfiz alguns nós. criei alguns laços... mas sei que esquecer, Bisa, é tarefa que não me cabe mais. tenho é que cravar os pés no chão de minha vida e deixar que as asas que são de sonhos, toquem com delicadeza as nuvens em céu azul que estão logo por vir... sentimento da gente é mesmo que nem as estações do ano: de tempo em tempo mudam, aprendem novos caminhos. mas nunca hão de se soltar de nosso peito nem de nossas mãos.

ainda acredito no tempo certo das coisas.

com amor,
Alice.




Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Hoje eu trouxe o teu texto para uma interpretação muito minha, fora do contexto do livro de cartas. Fui lendo e meu coração sugando. Tenho tentado muito, nos últimos meses, entender a passagem das coisas, as coisas que não fi(n)cam, as pessoas que se vão, a quantidade absurda do que elas deixam. Sinto como se tivesse muita coisa sem jeito, e a falta de jeito ainda me incomoda mesmo sabendo que não é nada diferente do que o mundo sente. Porque a vida é mesmo feita de sentires mistos assim.

Tuas palavras são o consolo mais poético que encontrei hoje. Saio daqui respirando melhor.