quinta-feira, 17 de maio de 2018

. entre pausas .

sempre que o tempo passa pela fresta da minha janela, tenho de súbito um desejo de ir embora com ele. respirar teus versos de mar e tuas rimas de outono, perfumar de lavanda e alecrim o instante das esperas... desvencilhar-me dessas urgências, entender novamente que as doçuras são construídas com pouca pressa e toda a simplicidade dos olhares distraídos.

cabe em mim, sempre que o tempo me toma nos braços, uma ânsia de vento solto tirando os cabelos pra dançar. e uma vontade de ser livre sem ferir o gosto, de aprender sobre permanências sem desistir dos voos, de ousar pertencimentos e longas distâncias, só pelo zelo de voltar. entender também sobre lonjuras, traçar estratégias de pouso, ouvir canções que ousem alguma poesia, enquanto se desfazem os segundos entre todos os cantos que 'ainda são de mim'...

esse mesmo tempo (tão astuto!) que não usa sequer pedidos de licença nem qualquer formalidade, sopra às vezes aos meus ouvidos, tuas ideias de amor. justo a mim, que ainda que entre espantos e saudades, carrego cá meu jeito de delicadezas e minhas crenças fáceis no correr das estações, nos começos sem fins, nas chances infinitas de fazer morada noutros corações... 

quando ele chega e me atravessa (o amor, e não o tempo), entendo cá entre minhas incertezas, sobre a importância de manter abertas as janelas, ainda que só uma fresta...



segunda-feira, 7 de maio de 2018

. [do livro de cartas] a dor dessa partida .

querido Salvador,

sabes bem como são importantes pra mim os dias de outono. sou tomada por esperanças e encantamento, principalmente nos entardeceres com seus tons lilás-laranja-azul. por isso, sempre que ele chega (o outono), pouco me permito entristecer: guardo isso ao verão que, embora tenha lá suas razões pra ser tão feliz, não me conquista tanto quanto as possibilidades amenas dos dias mais frios.

acontece, Salvador, que dessa vez o outono se vestiu d'umas cores estranhas e que eu custei a entender. de repente, toda aquela coisa de sentir para sabê-lo vivo, se apagou de mim e do meu coração, de forma que tenho vivido como se nada, além da tua já esperada ausência, estivesse acontecendo no meio do tempo. faz com que eu me perca de todo o encanto da minha estação do ano preferida. e isso tem que acabar...

não pense, em momento algum, que lhe quero mal. mas decidi, enquanto ainda era manhã, que cê precisa sair da minha vida direito, sem meu querer indo te buscar em todos os cantos, ficando a ti reservado, apenas o lugar doce de minhas lembranças. dói, Salvador... chegar aqui ao final de outro dia e perceber no coração que esta é sim das minhas decisões mais acertadas. mas é jeito também, meu querido, de preservar os sentidos tão bonitos que me foram dados pelo tempo, desde o dia em que cê apareceu me tirando um pouco o chão.

peço que não me escrevas. e me permita viver a solidão de meu amor, tão acostumado à ausência do teu. deixe-nos quietos, aprendizes do esquecimento de recordar-te todas as horas. sei que ficaremos bem com o tempo e que, até o fim do inverno, já saberemos esboçar algum sorriso outra vez. respeite ao menos esse desejo meu e continue bordando teu silêncio com fitas de cetim.

vai ser sempre com amor,
Alice. 





terça-feira, 1 de maio de 2018

. [do livro de cartas] para curar-te do amor .

minha querida Alice,

quisera eu saber o que dizer pra confortar teu coração. sou também feita de imperfeições, minha querida. tenho minha carga de dores passadas e que contam muito sobre o que este meu coração cansado se tornou. em palavras, só sei dizer sobre misturas de chás, receitas para bolos, melhores biscoitos de nata para acompanhar cafés da manhã, qual janela abrir para o sol entrar durante as tardes de outono. de resto, minha pequena, não sei remédio algum que possa curar-te do amor.

sim, amor sim, Alice. afinal, que outra palavra darias pra tamanha espera? que outra palavra escolherias pra nomear teu frio no estômago e tuas lembranças que nunca evaporam? bem tentei, por vezes, alertá-la sobre ele, querida. mas preferiste não ouvir e, cá dentro de mim, fico feliz que não tenhas mesmo me dado ouvidos. penso que se fosse você a ir embora antes que o sentimento fizesse morada em teu peito, talvez nunca virias a conhecer tamanha grandeza.

eu sei que dói, minha pequena. e, se pudesse, transformaria todos os desejos do teu coração em realidades bem docinhas, pra acompanharem teu caminho. mas já que não posso, peço apenas que se lembre: não há dor que dure para sempre, nem desencontro que não possa ser remediado com manjericão e alecrim. 

acalma teu coração... é dele que virão todas as tuas respostas.

com carinho,
Bisa.


ps.: ferva, por dois minutos, quatro mãos de folhas de manjericão e duas de alecrim, em dois litros de água. tampe a infusão, deixe esfriar um pouco e coe tudo. 
assim que atingir a temperatura ambiente, derrame o "chá" do pescoço para baixo, depois de tomar banho. 
pense coisas boas e tenha fé de que elas virão para você...

ps2.: manjericão e alecrim afastam energias negativas. não vão curar teu coração, mas vão deixar tua alma mais levinha...