terça-feira, 27 de março de 2018

. perdão .

eu te perdoo
por abrires a porta sem pedir licença
e entrar, sempre que bem entendeste, dentro do meu coração.
por escolher meu melhor vestido pra chamar de teu preferido,
e cravar teus desejos na minha lembrança, como consolação.

te perdoo
por desfazer meus versos, pintar meu estandarte de cinza
e desbotar meu carnaval, enquanto eu ainda aprendia a sambar.
por ir embora sem dizer que vinha
e me fazer companhia quando, no fundo, ainda era mais fácil caminhar.

perdoo
por desbotar meus versos que, pequeninos,
nem sabiam métricas ou sequer o jeito certo de rimar.
e por escrever, um dia, que teu desejo sempre iria me encontrar
e me cortar os pulsos, o viço e a alegria, na tua insistência de voar.

eu te perdoo
por me despertar pro tempo sem me contar as horas
e tornar eterno todo esse desencontro, desde que lhe vi.
por sapatear dentro das minhas cicatrizes
e transformar tudo em vida, desde o dia em que lhe reconheci...

.



domingo, 18 de março de 2018

. [do livro de cartas] ensina-me a esquecer .

querida Bisa,

quanto tempo se leva para esquecer alguém? li uma vez, nos jornais, que uma pena em voo, demora cerca de 8 segundos para voltar ao chão, independente da força do vento. achei bonito. deveria ser esse também o tempo do esquecimento: pequenos segundos e pronto! tudo encaixado delicadamente em sua gaveta de lembrança. no entanto, já são 77 dias, 12 horas e 53 minutos em que esquecer tornou-se verbo futuro, sem intenção de presente e desconhecido de passado. e eu, andando triste, sofro sem saber sua conjugação. 

o amor desaconteceu, Bisa (se é que essa palavra existe). voltou pros livros que conservo em fila na prateleira do quarto e prometeu não voltar em sua antiga versão. não pude sequer contestar sua decisão: disse-me que estava machucado e que suas feridas poderiam me ferir também. temi tamanha coragem dele, porque já vem chegando o outono e sabe-se bem que não sei chorar na estação das amenidades. não sei também me desvencilhar de detalhes, por isso essa dificuldade em descobrir o tempo certo dos esquecimentos. mas se não aprendo logo como deixar que partam as memórias, ainda que inventadas, do que farei meus novos poemas? 

sei que nas suas anotações entre os cadernos e as receitas, deve existir algum conforto pros meus dias. então, se tiveres a intenção de me escrever de volta, me ensine em palavras leves e sem muita dor, uma simplicidade que me livre da lembrança e que me cure esse desgosto em viver. ainda guardo uma esperança insistente e valente, dentre os versos que nunca mais li...

com carinho, 
Alice.



quinta-feira, 8 de março de 2018

. silêncio .

algumas vezes eu preciso dos silêncios. de entrar dentro deles e sugar tudo que têm a me dizer: são por demais barulhentos os meus silêncios. aprenderam a dançar, a recitar poemas, a cantar canções francesas, a escolher entre café e chá. me ensinaram a não falar enquanto ouço, me ajudam a dizer mais 'sins' que 'nãos', me levam pra passear sempre que é outono, me deixam ser mais atenta e menos aberta quando caminho.

- faz parte - eles dizem.

e assim, levam com eles meus versos e minha escrita. me ensinam que, às vezes, enquanto a gente se cura de uma dor, é preciso abraçá-los pra conseguir ver o sol se pôr de novo. preciso deles pra reaprender a respeitar o tempo: mais o meu; também o do outro. preciso deles para aprender a esquecer. preciso deles pra me lembrar que tudo passa, até as rimas que nunca fiz. por isso, às vezes me ausento e volto diferente depois, como se jamais tivesse pertencido. meus silêncios me mudam de endereço, me transformam em uma pessoa melhor.

depois, quando percebem que se fechou a ferida, vão embora e saem de mim sem destino. me deixam cheia daquilo que curamos, que aprendemos, que reencontramos. não sou mais dona dos passos, nem do tempo: depois que me guiam - os silêncios - sou toda dos resquícios que eles deixam em mim. 

ainda bem...