segunda-feira, 30 de outubro de 2017

. [do livro de cartas] voa com o vento .

Salvador, 

aprendi, ainda criança, que certas coisas, quando começam a doer, a gente não tem muito como remediar: carece deixar ao tempo, a Deus dará, como diziam antigamente.

te conto isso porque, de uns tempos pra cá, aconteceu o que eu muito fazia gosto de não acontecer: o jeito d'ocê existir, começou a me doer. eu evitei enxergar porque não queria perder da vida, a minha única chance de amor. mas nem sei como foi. quando percebi, já tava aqui chorando, três dias direto, sem sair de casa, sem falar com os outros, sem me ver no espelho. só pensava na dor. e quanto mais pensava, mais eu sentia. coisa que nunca senti antes, quase que uma falta de vontade de viver.

corri pra Bisa, depois de uma noite em que não vi estrela nenhuma. e então ela me alertou. disse que é bem capaz que a vontade do meu pensamento, prendia meu coração n'ocê e isso desencadeava toda dor. cá no fundo, eu sabia também que metade disso (isso a dor) vinha da minha certeza de que cê não voltava porque não mais queria. e isso, em si, fazia mais cicatriz do que se cê criasse coragem pra me dizer...

é que algumas coisas, Salvador, doem mais quando a gente supõe, do que quando a gente tem certeza. e sabes muito bem que sou dada a suposições e ilusões demais. e vai ver, é por isso que sofro tanto. 

aquelas mesmas cartas que viram nosso destino, já não te enxergam mais em mim. e fiquei pensando se o amor apaga e amarela assim mesmo, como caderno velho escrito à lápis. vai ver, no fundo, nunca foi amor. foi só essa vontade de que as coisas fossem diferentes porque danei de ver no seu jeito de enxergar o mundo, uma maneira mais bonita de se viver. e isso, nem sempre vai ser libertador.

no entanto, não te preocupes. teu lugar sempre prevalecerá nas cartas e nas canções, até quando o tempo carregar tudo...

ainda (e sempre) é com amor,
Alice.



terça-feira, 24 de outubro de 2017

. por enquanto .

entendo pouco do que cê diz. e, por isso, às vezes eu tenho a sensação de que a gente está sempre em pausa, aguardando algo extraordinário acontecer. já aprendi que não se deve esperar demais pelo que é do outro: há de se entender, cá dentro do peito, cada um com a sua própria esperança. sei também que é pras coisas simples e pequeninas que a gente nasceu pra viver: vento no rosto, montanhas, mar, jardim, mãos dadas. essas tais coisas em que ninguém mais acredita, mas que eu faço questão de lembrar toda manhã ao acordar [pra não correr o risco de perder de vista].

vai ver, foi por isso que eu amei primeiro a sua maneira de sentir. pra depois enxergar e me encher do brilho que o mundo te põe nos olhos. vai ver, foi por isso que eu aprendi que a liberdade é a coisa mais bonita que alguém pode ter [depois do amor, que move tanto encontro nessa vida]. talvez a gente tenha mesmo vindo pra ser voo, não raiz. e  n u n c a  s e  p e r t e n c e r. assim mesmo, pausadamente, repito 20 vezes seguidas, que é pra me acostumar logo, enquanto ainda não é verão.

é que passou-se muito tempo desde que a gente se achou. e eu bem sei que nada, além da minha própria ilusão, permaneceu no mesmo ponto doce dos começos. fala-se em saudade, mas não se tem mais tempo pra ouvir o barulho do mar, nem contar histórias de amor. fala-se em dor e sofrimento, mas não há mais espaço pros risos leves, nem pras conversas sob a rede na varanda [sobre a lua e as constelações]. e eu  falo em ausência, mas nem ao menos sei se te reconheceria refletido fora de mim.

disseram que cê sente minha falta de vez enquando. não sei se entendi. mas se é pra acreditar em alguma coisa, que seja ao menos nesse por enquanto.



segunda-feira, 9 de outubro de 2017

. enquanto eu não te esqueço .

enquanto eu não te esqueço, eu planto lavandas no jardim pra que façam companhia pros meus girassóis no próximo outono. e também pra que me passe o tempo sem que eu perceba, o entanto em que espero.

enquanto não esqueço, 'j'apprends à parler français', tomo chá antes de dormir, escrevo poemas quando amanhece, desenho às terças-feiras, e faço ioga às quintas pra equilibrar os chakras.

enquanto não te esqueço, eu acordo cedo aos domingos, só pra ter mais tempo pra esquecer. e frequento poucos bares, saio pouco pelas ruas, quase não atendo ao telefone, omito notícias pra ninguém me encontrar.

enquanto não esqueço, parei de colecionar cartões postais, cadernos de anotações e canções em tom maior. parei de sorrir em público também. e de escrever sobre você a cada esquina.

enquanto não te esqueço, penso em ir embora uma porção de vezes: pro sul, pro Amapá, pra Paris. qualquer lugar em que fosse mais fácil esquecer e pra onde você não pudesse chegar, nem em pensamento..

enquanto não esqueço, descubro que você nunca se lembrou. leio poemas que dizem que o amor, assim como os retratos deixados no fundo da gaveta, desbota e amarela.

guardo você no coração. tranco e jogo fora as sete chaves. dessa vez cê não sai. e eu te esqueço, antes do último pôr de sol...


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

. [do livro de cartas] solitude .

Minha pequena Alice,

soube, pelo teu silêncio, que a solidão voltou a lhe fazer companhia. e é por isso que lhe escrevo: pra pedir que tenha calma. e que entenda que é preciso muito cuidado nesse caminho de desalinhavar tantos nós. 

eu sei que setembro foi um mês de difíceis esperas e de pouco chão. e sei também que esse vazio que por hora te preenche, tem mais a ver com suas escolhas do que com o seu destino em si. entenda, minha querida, que nem sempre vai ser tão fácil e nem sempre tão difícil: às vezes coração da gente pede uma trégua. e é no equilíbrio desses dias mais sombrios, que ele vai entender a beleza de ser um pouco só.

daqui a pouco já é outro dia. e quando a gente abraça a solidão com um pouco mais de calma, ela perde toda sua grandeza e se transforma naquela palavra simples, que te canto desde pequenina: 

"encontra na sua solitude,
a paz que dança no seu coração"

por isso, querida, nesses últimos dias antes do seu ano acabar, trate de tirar esse peso que carregas nos ombros. e volte a sorrir, a escrever, a dançar. que ainda tem muito encontro dentro do seu passo e muito amor pra em ti envelhecer. 

guarda teus anseios nas estrelas e cumpre teu caminho em ser do amor. ainda há muito o que aprender, antes do fim da tua estrada.

com amor,
Bisa.


ps.: sei que a primavera te traz mais espinhos que rosas, mas aprende a perdoar. 
e cura essa desavença com água salgada, manjericão e alecrim.
tem suspiro na gaveta, te esperando voltar.