quarta-feira, 23 de agosto de 2017

. [do livro de cartas] o amor que me atravessa .

Salvador, 

em alguns dias, nesses que são mais de saudade e de vento, eu penso n'ocê de um jeito devagar, que me faz esquecer um pouco a solidão. cê mudou, eu também. e é claro que o amor sofreria todas as nossas consequências, mesmo sem a gente se importar. 

o amor me atravessou, Salvador. e embora seja tão difícil acreditar nisso, só aconteceu porque era ocê a me sorrir na outra ponta do tempo. caso contrário, desconfio que passaria por essa brevidade nossa, como quem suspira e espia a vida correr pelas janelas de dentro. 

e escreve, pra sobreviver. 

eu não teria conhecido um bocado do amor, se cê não tivesse chegado naquele agosto seco e silencioso, pra me tirar pra dançar sobre o tempo. lembro como se fosse hoje: cê usava uma blusa branca, um chapéu marrom, óculos de sol e um jeito vivo de enxergar o mundo, que hoje eu já não vejo mais (nem o mundo, nem n'ocê).

pudesse, deixava tudo que vivi de lá pra cá, toda essa longitude em que me transformei, só pra ter de volta aquele teu coração de começos. a vida sempre possível, os planos de casa lilás com paredes brancas e rede na varanda... toda uma simplicidade, que a gente não vê mais no nosso coração.

Bisa me disse, outro dia, que se tiver de ser, não importa o tanto ou no quê a gente se transformou: o tempo, que a gente não mede em ampulhetas nem em relógios, se encarrega de unir nosso sorriso de novo, numa dessas curvas que a gente tanto faz. 

eu gosto de acreditar nisso, principalmente nesses dias em que a saudade carrega o nome teu...

vai ser sempre com amor.
Alice,

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ps.: faltou te dizer que todos os poemas, até aqueles que eu não escrevi, eram procê.

Um comentário:

Jaya Magalhães disse...

Engraçado como as palavras são sempre cheias de possibilidades. Assim como o amor. Hoje, relendo, dei outro tom. E acabei mesmo foi me remetendo ao Amor nos Tempos do Cólera, de Gabo. Talvez pelas palavras da bisa e da crença bonita de que é sempre tempo. E, realmente, nunca deixa de ser. Porque o amor sempre é.

Que as palavras continuem a ser um dos meios mais doces de sobrevivermos. Eu achei isso de uma beleza danada.

Um beijo.

(Saudades de te ler. Acho que vou passear em textos antigos enquanto tu não volta).