terça-feira, 23 de maio de 2017

. esse fio fino que liga seu coração ao meu .

no dia em que cê me pediu que ficasse, eu sabia que não poderia ir embora e te deixar pra trás. 
por isso construí toda essa alegoria no jardim: pra enfeitar teu coração.
cê não entende muito, e eu sei.
que é difícil pra mim fazer morada lá fora, mas também é estranho chamar de lar aqui dentro.

verdade é que sempre fui assim: meio confusa, numa vontade quase louca de ganhar o mundo... não que eu queira ter tudo, longe disso e você bem sabe. 
mas sim que eu queira (muito!) encher o peito dessas coisas que os olhos da gente veem por aí.

sabe como?

é que eu sempre gostei de voar. sempre gostei de ir e vir. sempre gostei de conhecer o novo e guardar no peito, como se me fosse familiar.
essa coisa de criar raiz e cortar a asa me tira o eixo que é viver. por isso essa mania estranha de não ser de lado algum. por isso esse jeito de viver em silêncio, com o coração se fazendo mar...

só que quando eu coloquei os olhos nocê [e isso já faz tanto tempo!], aconteceu uma coisa muito estranha: eu sabia que não teria que ter um fim. mas tive a impressão de que a gente inventaria uma porção de começos, guiados por esse fio fino que passou a ligar seu coração no meu.

aí mudou tudo. e eu passei a desejar quintal com flores, casa com paredes lilás e sua rede bem colocada na varanda, procê descansar nos fins das tardes ou ver a lua quando anoitece. 
entendi que eu não tinha que me prender nem me perder de nada, se fosse você...

porque é assim que é o amor:
a gente saber que pode descansar em paz em alguém, até não ter coragem de ir embora nunca mais.

{essa chance imensa de abraçar teu coração vai acabar se tornando meu lugar...


quarta-feira, 10 de maio de 2017

. [do livro de cartas] reencontro .

Querido Salvador,

no meio de todo esse turbilhão, foi bom rever você e entender como o tempo passa veloz pela gente. nesse espaço vazio que ficou entre a nossa distância, eu quase tinha me esquecido de como era bom ver você sorrir e do quanto cuidei desse amor pra que ele fosse o único a não se transformar em mágoa. foi assim que ele se tornou a coisa mais importante do meu caminho. e é por isso que você vai ser sempre a minha pessoa preferida.

ah, que eu queria ter te dito tanta, mas tanta coisa! porque eu sabia que aquele seria o nosso último pôr-do-sol de outono. mas acontece que eu não consegui. a vida nossa se esfarelou na minha memória e tudo que me restou foi guardar aqueles minutos de olhar a luz incidindo devagar pelos seus olhos pequenos. tenho disso, cê sabe: sou mais de ver que de falar. mas acabei saindo docê meio vazia, sentindo que aquele silêncio me arrancava muito mais que um pedaço meu. 

daí eu chorei.

depois Bisa me explicou que não havia problema nenhum entre a gente. mas que o amor sempre foi mais responsabilidade minha, te sobrando o cuidado e o carinho, mas que os três nem sempre precisam de grandes feitos pra nos acontecer. foi aí que eu entendi. que não importa o que passe: vai existir da gente se perder mesmo mais uma porção de vezes, que com o tempo a gente nem mais vai saber contar. no fundo, o que vale mesmo nem é isso, mas a forma que a gente se guarda e se preserva do lado de dentro. 

não é nosso fim. eu sei e você sabe também. carece de a gente aprender: os (re) começos nem sempre vão ser de um jeito que a gente deseja, mas acabam sendo do jeito deles, e isso vai ser sempre nosso melhor. 

a sensação que tenho, Salvador, é a de que nossa vida vai ser sempre um reencontro. e vai dar toda vez o mesmo frio na barriga e a tremedeira nas mãos na hora de aceitar uma xícara de café. 

obrigada até pelos abismos...

ainda e sempre é com amor,
Alice.





segunda-feira, 1 de maio de 2017

. é só saudade. e vai sempre ser .

o tempo é uma janela aberta. e a gente sente tudo [a brisa, o amargo, a fumaça, o frio, as saudades]. aprendemos, de pequenos na escola, que saudade é substantivo que não tem plural. mas, mais velhos, entendemos que nela, em si, cabe todo o infinito sem precisar que qualquer coisa se multiplique. ou se explique.

comecei cedo a saber sobre saudade: sempre a senti cutucando o peito, sem compreender muito bem porque. hoje, sei teu endereço primeiro. aquele que me fez atingir distâncias e silencia-la um pouco, como quando passa o carnaval: na quarta-feira de cinzas, tudo volta ao seu estado de silêncio e vazio, ao qual já estamos tão habituados.

mas hoje... hoje não tem confete, nem serpentina. hoje a minha saudade sente muito. sente os lugares que não viu, os abraços que não deu, os sorrisos que não riu, os desejos que escondeu. sente as palavras que não ouviu, e que também não me encorajou dizer. sente em três ou quatro soluços, as histórias que não viveu, as chances que não se deu, as alegrias que se poupou.

hoje minha saudade mora num porta retrato na sala de casa, em um cheiro que vai sumir da caixinha em que guardei recordações, na voz que ecoa na memória suas canções encantadas tão devagar. hoje minha saudade sabe que vai amarelar como as folhas de caderno antigas, até esfarelar e virar poeira no tempo. hoje, ela (a minha saudade) sabe que eu a sinto, sem ter sequer muita coragem pra sentir. 

e ela sabe também que eu nunca mais serei a mesma, depois que ela se instaurou em meu peito nesse fim de abril, transferindo os agouros de agosto, em uma dor lamento que às vezes me desprende do passo e me flutua por onde nunca vivi.

"é saudade seu moço, é saudade!". 
e a partir de então, voltei a acreditar nos fins...


.as mãos de vóinha, que desde 27 de abril, não podem mais seguras as minhas.


.as mãos de vóinha, que desde 27 de abril, não podem mais segurar as minhas.