terça-feira, 25 de abril de 2017

. prece .

às vezes é preciso silenciar a mente, pra entender o que o coração quer da gente. 
não é sempre que sabemos ir embora, e também não vai ser hoje que vamos aprender a ficar. 
a gente já sabe que tudo nessa vida carece de tempo. 
até as despedidas. 
por isso, não apresse o prazo das voltas, nem prolongue a hora do adeus.
entrega teu coração ao caminho. coloca ele na frente e encontra a fé no que cê acredita.
deixa que o amor guie teu passo. confia em Deus, que Ele sabe de todas as coisas.
ouve, no silêncio aí de dentro, o que sua alma tem a dizer.
e nunca, em hipótese alguma, desista: de sorrir, de confiar, de encontrar sua direção.
que a gente aprende com a alegria e com a dor, não tem jeito.
e destino da gente é arisco, não cabe ao corpo controlar. 
mas cabe ao peito sossegar o pranto. e ir em frente!
pensamento quieto, coração tranquilo.
que as coisas se ajeitam. uma hora ou outra, a gente toma forma de novo.
e volta a ser o que a gente era.
com um pouco mais de marca, um pouco mais de cicatriz.
mas naquela certeza meio frágil de que a gente vai sempre até o lugar certo, 
quando entende que prece é canto,
que vem do silêncio do coração.






terça-feira, 11 de abril de 2017

. je veux voler .

era ainda tardezinha quando cê entrou pela porta dos fundos, com os olhos cheios de adeus. eu tava lá, esquentando a água pro seu 'thé de camomille', que cê toma todas as noites e que te faz dormir melhor desde que voltou. 
cê não me olhou nos olhos - achei estranho. 
nunca foi do seu feitio encarar a vida com a cabeça no chão. também não perguntei o que tinha acontecido, um pouco porque tive medo, outro pouco porque tive medo também. 
mas se cê vem e me pergunta agora: "medo de quê, criatura?", eu não saberia jeito nenhum de te explicar. 
talvez medo de que cê fosse embora ou de que me dissesse que era cedo demais pra ficar. vai ver, medo de que cê nunca mais me olhasse nos olhos ou de que cê me contasse que morreram todos os seus girassóis. medo de que cê tivesse desacreditado na gente e tivesse resolvido cortar o mal pela raiz de uma só vez. mas de tudo, o que dava mais medo, era dos seus olhos de adeus. e de que eles te levassem embora pra longe, antes do amanhecer. seria meu amanhecer mais triste: acordar, procurar por eles no quintal, não encontrar nenhum sinal do caminho que fizeram, te levando embora de mim... 
- não caibo aqui faz tempo - cê me disse baixinho, enquanto Holden cantava "Ce Que Je Suis"
aí eu entendi... que o mesmo tempo que te trouxe, também te levava aos poucos pra esse lugar longe de onde cê veio, mas nunca mais ficou.
"J'oublie, je bois, je bois l'oubli
Mais qu'est c'qui m'arrive"
- voa, passarinha - eu quis te dizer. mas uma parte egoísta do meu coração preferiu te aprisionar mais um pouquinho, até a próxima dança.




domingo, 2 de abril de 2017

. questões do infinito .

Hoje fez um dia bonito, como nem sempre são os dias aqui. As amenidades de outono gelaram minha manhã e, se pudesse, teria ficado todo o tempo em casa, sentada em frente ao computador, lendo, escrevendo, desenhando um pouco. Talvez sentisse menos tua falta. É que a sinto (muito!), principalmente quando saio às ruas e vejo rostos nada semelhantes ao teu. “As pessoas aqui carregam uma alegria triste”, pensei. E concluí que vem daqui essa minha mania de sorrir nos lábios o que os olhos tanto choram.

Te guardo em saudade, já lhe falei várias vezes. Ocorreu-me agora, aquele poema falado pela Matilde Campilho, com seu cantado sotaque “português-de-Portugal”:

“é terrível a existência de duas retas paralelas
porque elas nunca se cruzam. 
e elas apenas se encontram no infinito”.

Sei que se interessas por essas questões de infinito e por qualquer outra coisa que pareça te tirar daqui, das gaiolas desse mundo. Ele às vezes também ressoa como algo do qual nunca fizeste parte, eu sei. Mas consegues lidar com isso bem melhor do que eu, que ando desfazendo um tanto de nó, tentando o encontro de um único laço.

É estranho pensar que o que mais nos afasta foi meu maior começo de amor. Lembro bem quando você me disse: ‘eu ando sempre distraído demais nesse passo que é viver’. E eu compreendi ali que dizias sobre liberdade e teu amor pelo vento no rosto em dias de estrada. Sempre soube ler tuas entrelinhas, embora eu pareça chegar quando você já está partindo.

“Não se esqueça de me escrever”, eu deveria ter dito. No entanto, espero sempre uma fresta de sol nos dias frios, para me aquecer as meias e o moletom escuro. Você não vem, eu já sei. ‘Nem em palavra e nem em verbo’, repito para não esquecer. Porque algumas vezes, eu deixo de me lembrar que te conheci em uma manhã de primavera, quando a gente ainda acreditava no amor. E se hoje eu aprendi a temer os silêncios, é porque entendi que eles podem ensurdecer qualquer coração partido. 

[te guardo nessas palavras. para que se torne o motivo da minha terceira fuga...]

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Matilde Campilho.: