quarta-feira, 29 de março de 2017

. [do livro de cartas] a gente esquece .

querido Salvador,

sempre que pensar em mim, quero que me lembre como a pessoa que mais lhe amou sem pressa. hoje, já não sei mais se lhe amo, mas gosto devagar, com a mesma ternura das manhãs preguiçosas de outono. 
"a gente esquece, mas demora", li em um poema dia desses e me lembrei de você. porque no fundo, acho que é isso: por mais que eu disfarce, estou lhe esquecendo aos poucos. seu rosto já não me vem à memória quando tomo café às quatro e vinte e cinco da tarde. sua voz não mais substitui as traduções nos filmes de amor. já nem sequer reconheço os traços das suas mãos e nem o som que você emite ao sorrir. ou chorar.
no entanto, me cabe um vazio, que por horas acho que você preenchia. aí, por outras, acho que te inventei pra me curar da dor... 
não sei ao certo.
cê me faz falta e isso é imenso. cê me faz saudade e eu ando um pouco perdida. 
mas estou te esquecendo, não posso evitar. "a gente quer esquecer pra sempre, mas não vai ser hoje. a gente esquece e não sabe como", me ensinou o poema. 
é uma pena, eu sei. já que por mim, a gente seguia juntos por aí, colecionando nós dois, feito um álbum de figurinhas ou bolinhas de gude.
"a gente esquece quando se distrai". de todo jeito a gente esquece, Salvador. e por mais que demore, há de chegar a hora.

agora, é com carinho.
Alice,



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o poema é da jornalista e escritora Sabrina Abreu. 
e está completo lá no Instagram dela: @abreusabrina 
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domingo, 26 de março de 2017

.conversa breve com Drummond.

"repara que o outono é mais estação da alma que da natureza",
ah querido Drummond,
se soubesses o quão feliz fica meu coração nesses dias de sol-devagar!
não sei... mas uma vez me disseram que é por isso que fiz do outono minha estação preferida: por essa possibilidade de viver como se cada passo pudesse ser pensado e dado sem pressa. eu, por fim, não acho que escolhi o outono em momento algum, mas tenho quase certeza de que foi ele quem me escolheu, me presenteando com suas cores... tiveste a oportunidade de ver o céu em lilás, laranja e amarelo, dos fins de tarde de outono? é uma beleza que faz chorar de alegria.
"quanta melancolia!", talvez alguém nos dissesse. 
"quanta poesia!", a gente concordaria.
veja só: verso até sem saber fazer rima!
por essa possibilidade do tempo, fico mesmo mais recolhida. ando preferindo silêncios, tento não me irritar, sou capaz de perder mais de meia hora na janela, só observando as nuvens mudarem de lugar no meio do azul. 
é como se o tempo me dissesse lento: 
'acalma coração! toma sua dose de esperança e vá ser feliz com (c) alma'.
e ele vai... como se sempre valesse a pena.
e porque ele sabe que vale...

quarta-feira, 22 de março de 2017

.ninguém quer ler poesia.

"ninguém quer ler poesia!".
cê me disse dura e seriamente.
eu te sorri. sabia que estavas tão certo quanto o meu coração. 

queria ter te dito que leio poesia. 
e que sou alguém...

mas preferi não contrariar você, pra não desgastar o meu amor.

é. eu amo você. 
com a força e a rima que meus olhos calam...

"eu amo você!", e era pra ter te dito. 
mas lá atrás, quando danei de me encontrar nas palavras, fiz desse amor poeta
pra se eternizar em cada estrofe e assim não morrer.

"ninguém quer ler o meu amor", silenciei.
cê não vai saber nunca,
mas eu te quis poesia a todo tempo...

[imagem: Pinterest]    

quarta-feira, 15 de março de 2017

.[do livro de cartas] me perdoe .

Alice,

eu teria ido embora se você tivesse esquecido. seria mais fácil assim, carregar uma culpa menos minha pela nossa distância. por isso, tantos bilhetes sem resposta, tantos silêncios sem razão: eu queria que fosse você a ir embora e partir meu coração.

não pense que é por fraqueza minha... mas é que eu não sou bom com essa coisa de amor. e penso que sofrer tua saudade seria menos dolorido do que te ver doendo a minha. também não pense que menti quando te escrevi que queria mesmo que essa distância não existisse. eu nunca soube o quanto tudo era importante pra você, nem como deveras cativaste todo o meu coração com suas pequenas alegrias.

queria que fosse você a ir embora, Alice. mas parece que sempre sou eu a dobrar tuas esquinas, enquanto você permanece imóvel nas minhas.

e eu sinto muito.

ainda é sempre com afeto,
Salvador



quarta-feira, 8 de março de 2017

.pequenas alegrias tristes.

as coisas crescem. e tomam forma do lado de dentro.
de fora, tudo é por enquanto.
vento.
vazio.
silêncio.
pra completar, tem ainda essa saudade virando mar.
"a gente não vê onde o vento se acaba".
é Guimarães...
e me questiono:
'onde foi que aprendemos que vento tem fim?'
deve ser lá, naquele mesmo lugar em que damos forma e sentido pra todas as coisas,
quando na verdade, vai ver é só uma questão de olhar adiante:
queixo erguido, coragem brilhando nos olhos, destino.
atrelado nessa vontade da gente de virar estrela e deixar de ser poeira, carregada de lá pra cá.
porque eu nem sei bem onde isso vai dar.
mas se tiver você no fim daquela curva, tá tudo bem.
eu aceito (re) caminhar.


sábado, 4 de março de 2017

.eu vim.

eu vim porque tuas cores me chamaram. e, ao chegar, entendi que vim porque era preciso. há um mistério escondido em tudo isso e, embora a gente feche os olhos, a alma [e também o coração] sabem que a gente veio porque ainda havia dúvida. mas quando pus os pés aqui, na terra de onde teus olhos me buscaram, eu experimentei o que o dicionário sempre quis dizer com 'pertencimento'. 


{fazer parte de.}

é que eu nunca tinha sido parte de canto algum. nem em som, nem em voz, nem em silêncio. eu vim porque teu coração me chamou. e agora, aqui, diante dessa imensidão, eu percebo que vim porque era o meu coração quem já estava pronto, me pedindo baixinho pra vir, ficar, reconhecer. preenchi todo um vazio de 30 anos com seus tons de cinza-cobre-azul. e eu gostei de pertencer ao teu tempo, sem precisar diminuir a frequência do meu.  


{ser parte de.}

que os encontros, segundo a tradição, tem sua hora para acontecer. por isso toda pressa diante do abismo da distância. por isso toda lágrima diante da inevitável despedida. porque eu vim porque tinha que vir. uma hora ou outra, teu sorriso precisaria rir o meu, mesmo que fosse pra gente se desconhecer no meio do céu. vim, porque a saudade que sempre me acompanhou sem saber porque sentir, precisava de um motivo pra continuar crescendo, até sem a gente precisar partir...


 It's Just a Dream, Kath Bloom