terça-feira, 13 de setembro de 2016

.[do livro de cartas] sobre a mágoa.

Salvador,

de repente vinha uma saudade levinha, cortando em cheio o coração. nessas horas eu tinha vontade de te escrever, nem que só pra dizer que você não foi justo ao ir embora. mas aí, no mesmo instante eu me recompunha, lembrando você dizendo que a gente não precisava de justiça. 
e sim de amor. 
então eu esquecia (ou fingia) e tratava de ir fazer outra coisa: ler um livro, pintar um pouco, olhar os minutos mudando no relógio digital na parede. 

foi difícil não pensar em você, Salvador. principalmente porque sua partida me ensinou a sentir tanto a sua falta. fez-se um vazio enorme em meu coração por dias... eu troquei as músicas, eu reinventei as cores, eu mudei de lugar. mas sua sombra continuou me seguindo e, aqui no fundo, eu tenho a impressão delicada de que vai ser sempre assim.

eu não sei se o amor me alcançou, Salvador. 
sei só que ele me aconteceu várias vezes, como se fosse a coisa mais bonita. 
e me deixou tantas outras, como se meu coração não fosse um bom abrigo.
não sei se é assim que se diz. também não sei fingir tanto desafeto, com tanta coisa (des) acontecendo ao mesmo tempo. 

mas peço apenas que não te preocupes. e que não mais me escreva, por enquanto. me conheces bem pra saber que guardo mágoas. e mais um pouco, pra saber que vai passar. só preciso desse silêncio e de inventar duas ou três esperanças bobas pra voltar e te dizer que "já esqueci". no entanto, agora, é setembro. esse calor de quase primavera me assola e desorienta. e ainda não estou preparada pra mais uma despedida.

porque é isso que me vem sempre que você chega: o medo descontrolado de te ver partindo outra vez. me perdoe se não tenho mais a mesma ilusão...

sinto muito,
Alice




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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

.as cores da nossa partida.

*

aprendo um pouco todos os dias.
cê sabe: as coisas não têm sentido pra mim, se passarem em branco pelo coração.
foi exatamente por isso que cê ficou aqui dentro por tanto tempo: chegou fazendo barulho e pintando minhas paredes todas com aquarela, como se eu fosse uma tela em branco, esperando seu toque leve me alcançar.
o que a gente não sabia, é que o tempo desbota tudo. aí, aos poucos, cada risco seu foi se transformando em um desgaste aqui dentro, sem a gente nem perceber.
e então eu aprendi... que tudo que não é feito pra durar, vai embora uma hora ou outra.
mesmo que devagar. 
mesmo que demore anos.

*

cê foi embora e eu nem vi. 
e eu só fui perceber que cê tinha ido, quando cê voltou muito tempo depois e me pareceu que fazia uma falta imensa.
só que não demorou muito, até a gente enxergar que o mesmo tempo que desbota, traz também cores novas pro nosso coração. 
e eu pintei meu caminho num tom diferente do seu.
e cê se fez n'outras cores, no meio de um desencontro que a gente no fundo escolheu.
não carece de explicação: cê vai ter parte do meu amor por onde cê for.
que amor, não tem tempo que desbota.
nem se a gente esfregar as paredes com outra cor.

*