sábado, 27 de fevereiro de 2016

[do livro de cartas]

Bisa me ensinou, Salvador, que a gente não deve ter medo. nem fugir do que é nosso por destino. e é por isso que eu continuo aqui. porque se a gente não for dessa coisa de estar pra sempre no caminho um do outro, eu não sei o que a gente é. e é por isso que eu te peço, de todo coração: não tenha medo, querido... de sonhar, de voar mais longe, de retratar o mundo, de sentir o amor. porque toda vez que você teme a vida, Salvador, é como se caísse um mundo de nuvens carregadas de chuvas e trovoadas em cima do meu coração. e tudo nubla aqui dentro. e eu perco a vontade, perco a alegria, perco a coragem, perco a esperança...

{e que pode a vida se tornar, com tantas coisas perdidas assim?}

lembro Guimarães Rosa dizendo em um daqueles contos que tanto gosto, que o que a vida quer da gente é coragem. acho que é bem isso mesmo, sabe? e é por isso que juntei minhas economias e chego aí antes que o verão acabe. não quero que a vida me lembre como alguém sem viço, sem brilho nos olhos, sem força, sem determinação, guardando apenas todo um amor que não deu certo, só porque a gente não teve coragem de amar.

certo, Salvador, é que se continuares com medo, ainda assim lhe perdoarei. porque aprendi a não lhe guardar rancor e a não lhe culpar por um sentimento que precisa dos nossos olhos pra amadurecer. tenho paciência. e me espere chegar antes do pôr do sol.



"o meu amor sozinho
é assim como um jardim sem flor
só queria poder ir dizer a ele
como é triste se sentir saudade"

e
com um vento fresco desse quase outono,
Alice

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domingo, 21 de fevereiro de 2016

.uma carta para Ana.

eu nunca tinha visto o sol nascer, até a gente precisar entrar naquele ônibus às cinco da manhã de uma sexta-feira, para começar uma saga que poderia nos trazer a melhor ou a pior notícia dos nossos dias. como tudo na vida, não tínhamos, ainda, certeza de nada. só medo de que não desse certo dessa vez, como sempre deu, e tivéssemos que iniciar uma corrida maluca contra o tempo e as nossas vontades... graças a Deus ficou tudo bem outra vez. e aquele se tornou o nascer de sol mais bonito da minha vida.

já passamos por muitas coisas juntas e isso me alegra. teve o mar, teve o Cirque, teve dia de feira, teve passeio no shopping, teve o show do Roberto e os olhinhos brilhando como nunca vi. do mesmo jeito que teve trabalho de segunda a segunda para que não faltasse nada em casa. do mesmo jeito que teve choro tarde da noite, silencioso, mas que a gente (e só a gente) sabe porque existiu. do mesmo jeito que surgiram sacrifícios inimagináveis para que eu caminhasse entre tantos cacos sem me ferir.

em tempos como os de hoje, em que a gente vai se esquecendo de amar um pouquinho a cada dia, eu me sinto feliz por andar na direção contrária e poder dizer que eu aprendo o amor do seu jeito mais puro... a cada abraço que a gente divide, a cada ligação que a gente termina, a cada sorriso que a gente compartilha, a cada força que a gente se dá, a cada crença que a gente se dedica, a cada conselho que a gente se escuta. 

é que eu não espero muito da vida, sabe? mas eu sinto que ela fica completa quando seus olhos cor de abacate olham cá dentro dos meus e acreditam em cada passo que eu dou, mesmo sem enxergar muito bem qual a direção nem a importância do caminho. é que as rosas no meu braço desenham as roseiras do nosso jardim, só pra que até assim a gente fique mais perto: a senhora com as flores com perfume e eu, com as flores de tinta que parecem ter saído das suas mãos e coladas em mim.

sabe, mãe. a gente não sabe até onde essa vida vai dar, nem se vai ser mais fácil um dia, nem se a gente vai aguentar isso tudo por tanto tempo. mas uma coisa eu sei: enquanto a gente seguir juntas por aí, não vai ter imensidão que vença nosso coração. só vai ter amor. e é pra sempre.

com carinho,




quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

.você se importa?


eu não me importo se você só tem camisas nas cores preta e azul marinho, enquanto meu guarda-roupa parece um arco-íris, de tanta cor.
não me importo se você prefere dormir ou ver um filme, enquanto meus pés se coçam pra ir pra rua pular carnaval.
e nem ligo se ainda são onze horas da noite de uma sexta-feira e você já tá aí, pingando de sono porque trabalhou demais a semana toda, e eu ainda tô ligada no 220, querendo ver o sol raiar em um bar qualquer.
não me importa se você parou de beber há quatro meses pelo bem da sua saúde e do seu espírito, e se bebe água mineral durante toda uma festa, enquanto eu peço logo duas doses de conhaque só pra começar.
não ligo se você preferir cravos e margaridas, enquanto eu só tenho olhos pra rosas e girassóis.
e também não vou me importar caso você precise sair às pressas do jantar mensal com aqueles amigos mais próximos só porque sua mãe se sentiu sozinha e inventou que não consegue mais se levantar do sofá. eu vou achar bonito, até. e vou ser a primeira a pagar a conta, enquanto você chama um táxi pra gente "voar direto pra lá". outra vez...
eu não me importo se você prefere cinema a teatro.
não me importo se você gosta mais de mpb que rock n' roll.
e não me importo em fazer o café mais forte às segundas-feiras, só pra você acordar.
nem ligo se tivermos que ir pro sul nas férias de julho enquanto "o Rio de Janeiro continua lindo" e meu corpo pede água com sal.
nem vou me zangar de ouvir "A Hora do Brasil" quando você me buscar no trabalho no meio de uma semana confusa de trânsito e caos, só porque você quer se informar e aproveitar sua última hora pra saber das notícias.
eu não me importo com tudo isso e com mais uma porção de coisas. juro! mas o que mais me entristece é essa sua insistência em se preocupar com tantas importâncias insignificantes e teimar em não chegar. isso é o que me importa: esse seu eterno atraso, que faz com que eu quase me canse.
quase. porque cá no fundo. eu não me importo. 
e espero. 
até mais um dia acabar...




domingo, 14 de fevereiro de 2016

.ah, fevereiro!

Belo Horizonte me ensinou a amar o carnaval. do jeito dela, foi colocando brilho e confetes no meu fevereiro, transformando o coração numa compassada bateria de samba enredo. 

não. ela não me deu aqueles grandes desfiles com arquibancada e alegorias. no lugar disso, ela me deu a rua, que tanto amo desde criança, pra que eu pintasse com as cores e os sorrisos que eu quisesse. 

e eu fui lá e pintei: o rosto, os pés, os braços, o coração. me enchi da alegria de um carnaval que eu não vivi na infância, mas que pareceu sempre me pertencer, a cada esquina em que os blocos viravam, entoando milhares de vozes em qualquer canto, transformando tudo em um só. 

e essa cidade, sorrateira, me dizia baixinho: 
"não se preocupe agora com a saudade!
vai e faz do teu compasso um eterno festejar".

porque enquanto a gente se coloria, vinha também a certeza de que nada mais seria como antes, depois de fevereiro. e a gente sabia, de um jeito só nosso, que aquele era o começo de uma despedida que duraria ainda um pequeno tempo, mas que cessaria antes do próximo carnaval...

"eu queria 
que essa fantasia 
fosse eterna"



.o sol se pondo no Mirante Mangabeiras, no meu último dia de carnaval.


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

.do livro de cartas [já se foi o carnaval].

o que aconteceu foi o amor, Salvador. e toda vez que ele acontece, eu saio em cacos de alguma forma. eu não queria me preocupar. porque é fevereiro, tem o carnaval e eu me acabei por essas ruas tentando esquecer as respostas. a gente se fantasia pra vestir um personagem que a gente não é, mas queria ser. se fantasia porque assim esquece as tristezas em meio a tanto brilho e tanto sorriso. se fantasia porque vez enquando é bom morar dentro da alegria e das cores pra ver se o tempo passa sem tanto rancor.

eu me pintei, eu me colori, eu dancei, eu sorri... como você jamais viu. mas acontece que o tempo é tão veloz, meu querido. e logo chega a quarta-feira de cinzas e eu começarei aquela luta sem fim pra viver até chegar o próximo outono. a gente não tem culpa, eu sei. por isso acho melhor que todo esse meu eterno festejo tenha logo um fim. determinado, seguro, partindo... porque você merece morar nas coisas felizes dessa vida, Salvador. e as minhas felicidades estão distantes demais das suas pra que elas resistam sem tanto confete e serpentina.

Vinícius (de Moraes) já tinha avisado que tudo se acabaria na quarta-feira. e que felicidade é como "pluma, que o vento vai levando pelo ar". então, tome pra você todo aquele brilho que eu inventei pra colorir nosso verão. que a gente se encontra em outros carnavais, com outros sorrisos e, desejo, que com outros corações.

com um afago em sua alma.
Alice.



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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

.ritual da espera.

se as borboletas ainda batem asas dentro do seu estômago, é sinal de que estás viva, minha querida. e de que podes sentir, diferente do que pensaste na última primavera. não se feche pra essa verdade bonita: nasceste pro amor. pra olhar pras coisas pequeninas com ternura e carregar todas elas dentro do peito. não te preocupes com o que dizem. faça como lhe ensinei: deixe que todas as desavenças passem direto pelos teus ouvidos, sem fazer morada no coração. não deves guarda-lo no que te faz triste. deixe espaço pras simplicidades, pras delicadezas, pras paixões. porque eu li nas cartas daquele tarô antigo, que não demora muito pra tua companhia chegar. e tens que acreditar que ele lhe trará o tom que faltava pra lhe preencher todos os vazios.


Com amor,
Bisa.

ps.: coloque um pouco de água para esquentar, direto no fogão. antes de levantar fervura, coloque duas rodelas de limão, daquele verdinho que tenho no quintal. acrescente canela em pau (nada daquele pó industrializado) e apague o fogo assim que ferver. deixe descansar por vinte minutos, se preferir, coloque uma colherzinha de mel pra adoçar. beba bem devagar, sentindo o gostinho de cada gole. isso vai aliviar e distrair seu coração enquanto espera.

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