terça-feira, 29 de dezembro de 2015

.hoje.

Hoje eu queria postar aqui um texto bem bonito. Pra que você, logo ao ler a primeira frase, fosse tomado por encanto e contentamento. Pra que seus dias se enchessem de poesia, seus passos caminhassem com esperança, seu coração palpitasse alegria até não caber mais dentro do peito. Pra que você tivesse esperança, acreditasse em seus sonhos e resgatasse as metas não cumpridas em 2015 para começar a nova lista de 2016. 

Um texto tão bonito que te faria levantar dessa cadeira para correr à beira mar ou caminhar na praça mais próxima de onde você está agora, sem pressa, sem preocupação. E que aí, o ar entrando pelos seus pulmões fizesse com que você se sentisse mais vivo do que antes, mais disposto do que ontem, mais feliz do que já foi. E então você teria vontade de sorrir. E sorriria! Pro porteiro, pro vizinho, pra senhora esperando o ônibus passar na volta pra casa. 

Queria escrever um texto que te fizesse viajar pra onde nunca foi, carregando na mala só o necessário. Ou te fizesse ter vontade de revisitar aquele lugar que está quase perdido na memória. E escrevesse uma carta para o seu melhor amigo de infância. E ligasse para os seus pais pedindo desculpas pela briga da semana passada. E fizesse as pazes com aquele amor que não terminou bem. E que você se perdoasse... por todas as mágoas que causou, principalmente a si mesmo.

Um texto tão bonito que te faria crer de novo no amor. Como você nunca acreditou antes. E então você olharia pro mundo com mais ternura, abraçaria mais apertado, acarinharia com mais afeto, plantaria mais girassóis e não teria tanto medo de ser feliz. Porque descobriria que felicidade machuca sim, mas carrega tanto contentamento por dentro, que logo teria cicatrizadas as feridas. E são essas cicatrizes que ensinariam você que cada tombo é a força maior pra se levantar mais forte.

Hoje, se conseguisse, queria escrever o texto mais bonito que seu coração já ouviu, só pra afagar sua alma e acalmar suas desilusões. No entanto, tudo o que posso fazer é desejar que você viva. Com leveza, com simplicidade, em paz. Que você tenha sonhos, mesmo que não se realizem. Que você tenha alegria, mesmo que ela se esbarre vez ou outra na tristeza. Que você, que leu esse texto grande até o finalzinho, sinta uma pontinha de amor brotando no coração. E que ela cresça, cresça, cresça tanto, até virar uma árvore de sombra fresca de descanso pros que se achegarem à você.

É o que lhe desejo... 


quinta-feira, 15 de outubro de 2015

["o amor acaba"]

O amor acaba, já escrevera Paulo Mendes Campos, em uma dessas crônicas que eu gostaria que fosse minha. Essa semana a ouvi musicada por um cantor que gosto e que me ganhou ainda mais em admiração quando, em dois acordes, transformou as linhas de fim em música. Ficou no repeat por dias. Talvez pela surpresa da poesia em canção. Ou talvez porque eu tenha ficado todo o tempo tentando identificar onde o meu acabou: em algum lugar do texto ou em algum outro, que ainda desconheço.

Sim. Talvez tenha sido no desgaste da insistência em dar certo. Sozinho. “Em Belo Horizonte, remorso”, talvez. Na falta de respostas, de tempo e de coragem. Na demora em acreditar, em se dispor, em querer ficar. Não sei... a verdade é que, independente de onde, como, quando ou porque, o amor acaba. Em detalhes que a gente não vê, em silêncios que a gente não percebe, em ausências que a gente evita enxergar, em simplicidades que a gente insiste em cultivar. Acaba. “Por qualquer motivo o amor acaba”.

E não nos resta muito o que fazer. A gente pode se trancar em casa, evitar lugares, trocar o chá por café, ouvir outras músicas, pintar o cabelo, comprar roupas novas, se reinventar. “A qualquer hora o amor acaba” e, quando isso acontece, é bom lembrar as palavras do fim da crônica: “por qualquer motivo o amor acaba, para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto, o amor acaba”. Caminhemos, com a esperança de Paulo. Recomecemos.

Para ouvir a crônica com melodia e voz do Tó Brandileone, clique aqui. Já para ler a crônica, clique aqui.

Ps.: hoje, enfim, por pouco mais de 26 minutos, troquei o amor por tango, com as Estações Porteñas do Piazzolla. Depois voltei. Acho que ando tentando acreditar que realmente acabou.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

.do livro de cartas.

eu jamais me esquecerei, Salvador: é preciso acreditar - mesmo que com o coração sangrando - que as coisas vão dar certo. resta saber o que faço enquanto elas não se ajeitam. se saio durante as tardes quentes desse início de primavera só pra ver a rua um pouco, ou se fico aqui, dentro desse apartamento quente, esperando que o tempo passe e os meus milagres aconteçam. 

não sei mais dançar, Salvador. até cantar me esqueci. outro dia, era sábado, eu queria não me lembrar de você e fui pro bar, ver gente, descansar a solidão. mas foi aí que eu percebi que fiz tudo errado esse tempo todo. devia ter seguido os conselhos de bisa: ficado quietinha na cidade em que ela cresceu, ter aberto uma portinha pra vender doces ou artesanato, me apaixonado por um homem bom, desses de simplicidade nos pés e no coração. mas não. caí de vir pra cidade grande, uma mão na frente, outra atrás, com essa ideia fixa de escrever outra história, que não a que me deram quando nasci. 

não são bobagens, querido. são só tristezas. muitas, tantas que eu nem saberia te enumerar. que não desejo que tenhas pena, nem que volte, nem que me ajude. quero apenas vencer setembro, porque sei que se outubro passar limpo, branco, é sinal de que não vai ter mais jeito e eu vou ter de entregar os pontos. o que me sofre é essa angústia, Salvador. esse eterno excesso de perguntas, que me acompanham sempre sem respostas. essa vontade de sair daqui, construir caminho em outro lugar, recomeçar com a leveza de quem espera. 

esperança.  

que já vai dar três da manhã e eu ainda nem dormi. por isso te escrevo. pra ver se divido esses pesos com a escrita e o papel, pra ver se lembro de ter fé, crença, coragem. que amanhã faz cinco anos, desde que você resolveu partir pra seguir os sonhos que a gente não tinha; que eram só seus. e se eu ainda tenho saudade, é porque a vida se encarrega de quase tudo, menos de curar a solidão que a gente fica do outro...

Com alívio,
Alice.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

[canção do fim de um dia]

eu queria que a gente não se despedisse. e que você fosse minha procura depois de um dia cheio de dor e desencontro. queria ter seu telefone. poder ligar a qualquer hora pra ouvir qualquer sorriso que me fizesse sentir melhor. marcar um abraço pra amanhã pela noite, só pra esperar por ele noite-madrugada-dia-tarde-ponto. mas no seu lugar tem um monte de interrogações pelo que podia ter sido.
saudade; sozinha; no vazio.
que essa solidão de você dói mais nesses dias em que a vida não tem solução.
fazer o quê?
adormeço. que esperar não espero mais não.
esqueço. porque anda me faltando coragem pra lembrar.
passo. que o caminho já anda pesado por demais pra que você seja desavença.
amo. porque minha alma nasceu no mesmo dia em que as paixões.
vivo. que não há outra alternativa, que um dia isso passa, que ainda tem esperança guardada no fundo da última gaveta da minha escrivaninha...



------------------------------------------

The Lumineers, "Morning Song"  ♪

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

.quando?.

choveu durante toda a tarde. gosto do cheiro dos pingos tocando a terra antes da tempestade. fui à cozinha, coloquei água pro chá, e preparei a infusão com o cuidado de quem esperou aquele momento por dias. tomei a mistura de hibisco com camomila e chá verde devagar, enquanto via as gotas de chuva tomarem conta do vidro da porta da frente. respirei fundo, aliviada. foi aí que eu percebi o quanto eu amava você, mas não sabia mais sentir sua falta. e, olhando pr'aquela chuva, só desejei que as tardes continuassem passando devagar, que Paris ficasse mais perto a cada dia e que chegasse logo outubro, pra me afastar do que não foi feito pra ficar. eu sabia que você não ficaria. e, por isso, quis que meus olhos tivessem força pra não procurar mais os seus. a gente não tem culpa de nada. nem do amor, nem da falta dele. entenda. não há sonho que resista à falta de esperança, nem amor que vença sem ser recíproco, nem caminho que se abra pra corações fechados. amanhã é outro dia! e deu na previsão do tempo que há de fazer sol...

sábado, 5 de setembro de 2015

.reticências.

os primeiros dias de setembro têm sido longos e, pra uma despedida de inverno, andam bem quentes também. sorte é que aqui, no interior, as noites sempre chegam em vento, balançando as janelas com força.


embora às vezes a gente desacredite, há sempre uma ponta de esperança nas trocas de estação. encaro-as como chances de recomeço, percebendo que a vida muda não só por fora, com novas flores, céu azul, chuva e nuvens, mas por dentro, na alma.


a gente adquire, com o tempo, fé o suficiente pra ir em frente, apesar de... e é por isso que a gente engrandece o peito, coloca um ou dois sonhos na mala e vai embora e chega, quantas vezes for preciso. sem perder a crença, sem perder o amor...




----------------------



terça-feira, 18 de agosto de 2015

.por seus sorrisos.

ouça, minha querida. não há placas em todos os lugares, dizendo o que você deve ou não fazer. algumas vezes você precisará escolher o caminho sozinha, com todos os "poréns" e "sorrisos" que isso implica. eu sei que os ventos não estão muito favoráveis, que querer desistir é uma forte opção, que invernos são épocas preciosas, em que as coisas decidem por si sós se ficam ou vão.

mas tudo são condições.

vê-se por agosto, seu mês de maior agouro, que resolveu lhe sorrir ao ponto de te deixar esquecer - não fosse pelos feriados - em que dia estamos. veja bem: há sim uma chance de ter amor em todas as coisas. desde que se tenha, ainda, força nos olhos, certezas nos passos e delicadeza no coração. aos trancos e barrancos - sendo bem clichê - as coisas se ajeitam. porque amor, pequena, não é pra qualquer um, não.

é preciso coragem e um retrato bonito para emoldurar quando as tempestades passarem. porque elas passam. vai por mim: já vi muito sol depois de tanta chuva e trovoada. é tudo questão de esperar... pra ver.

















terça-feira, 11 de agosto de 2015

.experimentando (ou uma primeira crônica sobre aviões).

minha prima chegou de viagem no último fim de semana. estava naqueles intercâmbios, financiados para estudos, que não existiam na minha época de faculdade. chegou me trazendo uma porção de presentes: uma polaroid; um livro do Pequeno Príncipe original, em francês; algumas histórias; o sorriso da nossa avó; o sossego da família, que se reuniu quase toda para recebe-la, em festa.

mais do que as coisas físicas, que podemos ver, pegar, usar, ela trouxe alguns sorrisos de volta e o fim de uma parte das minhas saudades. no aeroporto, enquanto esperava por sua chegada, senti aos poucos que a vida voltava ao normal, lenta, mas decidida a continuar nos trilhos. ao menos por enquanto.

sempre gostei de aviões. desde criança. na cidade de minha mãe, onde cresci, passava um sempre no mesmo horário, às vezes até bem baixinho, com aquele barulho me chamando até a janela. só fui ver um avião de pertinho quando me mudei pra capital. com dois aeroportos, vi o primeiro voo (em todo aquele processo de impulso, distância e, por fim, ganhando leveza no céu) de longe, encantador. só fui voar com meus 23 anos, em uma viagem pela faculdade. tive medo. mais pelo tamanho do avião do que pelo voo em si.

lá de cima, quando vi as nuvens e aquele céu tão azul, esqueci que a vida carrega tantas impossibilidades.

voar entrava, então, para minha coleção de boas lembranças e coisas favoritas.

voei outras poucas vezes, menos até do que gostaria. com o tempo, perdi o medo de fazer tudo sozinha, do check in ao desembarque. entendi que, pra mim, voar era um exercício de superação, até ficar mais de 10h em um voo de BH à Lisboa e mais umas 3h de Lisboa à Roma... ali, percebi que eu poderia ir a qualquer lugar, mesmo que a solidão continuasse me escolhendo como companhia.

aeroportos me dão a sensação de que a gente pode recomeçar sempre. em outro lugar. como se a gente pudesse escolher o próprio destino e ser feliz fosse só um detalhe pequeno, desses que quase nem importam tanto, principalmente quando a gente carrega na mala uma porção de sonhos que só precisam de coragem para serem realidade.

ainda tenho medo de avião. quase o mesmo medo de navios e estátuas muito grandes. engraçado e justificável, se pensar pelo lado de que grandiosidades me assustam... mas não é sobre medos que vim falar aqui. e sim sobre a esperança em aeroportos e aviões. esperança essa que despertou meu coração no fim de semana e me fez compreender que o mundo é pequeno por demais, pra que a gente não realize nosso próprio coração...

pra onde você quer voar?


"Todos os Lugares", Versos que Compomos na Estrada

-------------------------------
*esse texto é um exercício. é a primeira crônica que posto aqui. gosto dessa coisa de dizer da vida, do cotidiano, das coisas reais... espero que elas se tornem mais frequentes por aqui. elas fazem parte das minhas escolhas... =)

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

.carta pra me despedir de você.

Eu queria que fosse você... pra sair de mãos dadas no sábado à tarde e dormir o domingo inteiro de chuva e preguiça. Queria você. Pra dançar até o chão naquela festa estranha semana passada ou pra me levar pra casa depois que mergulhei todo meu desespero em umas garrafas de cerveja anteontem. Queria que fosse você chegando comigo no aniversário de 90 anos da minha avó e rindo da minha falta de jeito e do meu choro no casamento da minha melhor amiga. Queria você. Pra me ligar duas da manhã dizendo que não consegue dormir e pra me acordar em qualquer manhã com aquele clichê de que é outro dia e tudo vai dar certo. Queria que fosse você quando passei mal de rir no cinema com um filme qualquer. E queria você quando passei mal de dor no pé, depois de torcer descendo uma escada. Queria que fosse você pra quando você precisasse de companhia: pra estudar, pra tomar um café, pra experimentar um novo sorvete, pra ver aquela peça no teatro, pra ver a cidade mais bonita quando é inverno. Queria você pra dividir qualquer coisa que, de tão minha, não sei mais como entregar a ninguém. Queria que fosse você quando toca uma música que eu gosto, quando bebo meu drinque preferido, quando saio de casa de chinelo e calça de pijama, pra não me preocupar. Queria você pra sorrir a vida, pra abraçar apertado, pra deitar no ombro, pra tirar fotografias engraçadas, pra guardar fotografias e memórias, pra ter esperança. Queria que fosse você quando eu resolvi ir embora, pra que eu tivesse um motivo bobo pra ficar. E vontade de ficar. Queria você pra realizar aquele sonho antigo de casa-paredes-amarelas-quadros-pendurados-flores-na-varanda-vinho-cozinha-comida-sofá-amor-pra-vida-inteira. Queria que fosse você quando eu tivesse vontade de chorar, aperto no coração e lembrança do que não foi. Queria você porque fazia tempo que eu não sabia querer nada assim: de coração puro e leveza nos olhos. Queria que fosse você. Mas de tanto querer, não foi...

 
 
------------------------------
 
agosto/15

segunda-feira, 27 de julho de 2015

.tomar nota:

cada coisa 
(semente, planta, chuva, sombra, pessoa) 
tem seu tempo.
amor também.
há de ter tempo de 
surgir (nos olhos), 
crescer (no sorriso), 
amadurecer (nas mãos), 
permanecer (nos passos), 
sofrer (nas cicatrizes), 
morrer (nos desencontros), 
renascer (nos recomeços).
pular ou apressar qualquer caminho é tirar o amor do rumo,
é dar-lhe chance de não querer ficar.
há de se compreender:
as coisas mais fortes, carecem de tempo para criar suas raízes...






...

[primeiro dia de julho]


sexta-feira, 24 de julho de 2015

.para enfrentar agosto. e atravessar a vida.

já faz um tempo que queria lhe escrever. mas não sabia como começar a lhe dizer qualquer coisa. também, você não me dá tempo... engole minhas palavras com sua ausência e me tem muda, silenciosa, quieta. o horóscopo disse que tenho até amanhã, 25, pra resolver as coisas importantes da vida, porque Vênus, meu planeta regente, vai dar uma volta sozinho, deixando as coisas suspensas e imóveis até setembro. sei que você não acredita em nada disso. mas prevejo um agosto difícil, me atendo às previsões de Caio (Fernando Abreu), em suas sugestões de como atravessá-lo. 


"É preciso, quem sabe, ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente 'ah!', escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante:ir, sobretudo, em frente."


tenho ido. saio de casa para sentir o fim do inverno, vou ao teatro, visito exposições, bebo vinho, vejo alguns amigos, faço planos pra atingir um sonho, e os ipês rosa/roxo/lilás teimam em enfeitar os dias e o meu sorriso. não há você em nada, além do pensamento e de algumas esquinas. me perdoe. é que ainda não aprendi a ler seu coração, nem suas entrelinhas, nem suas mágoas. justo eu, que tenho percebido tudo com a sensibilidade que os últimos dias me devolveram na alma, me pego confusa, sem sequer acertar uma previsão em que meu sentimento te encontra. vai ver, sua não crença me bloqueia. vai ver, meu quase amor por você faz com que minha alma crie o que não existe... 

(no fim da tarde, a 31a Bienal de São Paulo me perguntou "como sentir coisas que não existem". eu não soube responder, mas entendi. agosto vai ser um mês difícil. e eu não poderei mais me agarrar a você para continuar sorrindo...)

-------------------------------------------





 ♫ The Paper Kites "Tenembaum"

quarta-feira, 15 de julho de 2015

.poema.

se eu fosse te escrever um poema, 
certamente diria da lembrança de um dia em que baixei a cabeça no seu ombro e, 
no segundo seguinte, senti seu cabelo recostando no meu...
Mas eu não sei fazer rima. 
E meu coração nasceu assim: sem poesia. 
E por isso prefiro deixar desse jeito, 
só com as memórias que terminam com um beijo doce na testa 
e cinco dedos das mãos 
tentando se enlaçar nos meus...


--------------------------------------------------------------


quarta-feira, 8 de julho de 2015

. você vai voar, eu sei .

Dizem que nasceu em uma dessas manhãs bem frias de julho, em que não é permitido sair de casa sem meias para proteger os pés. Não tinha sol. Assim como também não havia solidão nos olhos ou palavras que fizessem algum sentido, mesmo que tivessem a mínima importância. Cresceu assim. Preferira que fosse outono, claro, mas como sempre disse, “a gente não escolhe quando chegar e nem tem coragem suficiente pra decidir quando partir”.
Nunca se queixou da vida, nem foi de criar muitos sonhos ou expectativas. Era meio feliz e só. Quando criança, não pensava em envelhecer. Foi deixando o caminho ser traçado, no tempo dele, com todas as implicações e docilidades que isso pudesse significar. Era dessas pessoas que choram em público e que carregam a fragilidade nos olhos. Não tinha pressa de viver, até porque sabia que quanto mais adiasse a vida, mais longe se manteria da morte e da dor.
Tinha dias, no entanto, em que entristecia e queria partir. Viver em qualquer outro lugar que pudesse lhe trazer algo novo. Perto ou distante. Não importava. Aí, quando era assim, eu só dizia a ela que as coisas iam melhorar, embora eu mesmo desacreditasse nisso algumas vezes. Então eu apagava as luzes. Cobria-lhe os pés gelados com a coberta encolhida no pé da cama. Dava-lhe um beijo na testa e ela sorria confortada, meio feliz, meio sofrida como passou a ser. Imagino que se sentia menos só quando era assim. Imagino que fechava os olhos todas as vezes pensando: “até quando, meu Deus!”.
Deus.
Porque fé ela ainda tinha.
O que eu gostava mesmo era dos dias em que ela ficava satisfeita e gargalhava da vida feito criança. Daí fazia planos, prestava conta do dinheiro que guardava, pensava em viajar, em arrumar o cabelo, comprava uma roupa nova, e me parecia ter sido feita pra viver assim: na alegria das pequenas coisas. Nesses dias, a esperança dela redescobria a minha e, automaticamente, o mundo parecia menos vazio e a minha solidão ficava um pouco menor.
Meu medo maior era de que ela desistisse, ‘entregasse os pontos’, como dizem por aí. Meu medo era que ela se doesse muito, ainda mais do que já doía, e resolvesse parar de acreditar nas manhãs. Meu medo era que ela perdesse as forças e eu não tivesse coragem suficiente pra lhe amparar e pra lhe cuidar as tristezas. Meu medo era que ela não suportasse e, assim, minha vida se tornasse insuportável também.
Ela não aprendeu a dizer “eu te amo”, mas eu lhe dizia sempre que a saudade apertava ou quando eu sentia simplesmente que a minha vida seria pra sempre um buraco vazio sem ela. Daí a gente se sorria, mudava de assunto e tudo continuava como tinha que ser: em silêncio, como quem crê na beleza dos recomeços.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

.agradecimento.

quinta-feira, 25 de junho. *2015

hoje o dia amanheceu mais frio. deu em alguns jornais (e no boca a boca dentro do ônibus) que tivemos a madrugada mais gelada do ano, como antecipara a previsão do tempo. embora às vezes me acolham em melancolia, gosto de manhãs assim. gosto delas pra observar as pessoas bem vestidas, com seus casacos quentes e cachecóis. gosto delas pra sentir aquele cheirinho de guardado no elevador, no táxi, no banco, nas esquinas. gosto delas porque normalmente é fácil sorrir, com os ipês de inverno florindo e deixando as praças mais bonitas. gosto, porque desde criança brinco que nasci no lugar errado, onde não há praia nem neve, e essas nuvens frias se espalhando no céu azul, acabam me fazendo esquecer que, algumas vezes, é difícil me sentir em casa aqui.
mas ando. vez ou outra lembro que este ano ganhei de presente da vida a oportunidade doce de passar por dois invernos: um em Roma e este aqui, que vivo agora. me agarro à ideia de que quem resiste a dois invernos tem força suficiente pra se resgatar até o próximo verão. aí acalmo o coração, vejo fotos, ouço uma música, vou à sorveteria italiana que abriu há um tempo, mas que conheci a pouco, me recomponho aos pouquinhos porque é assim que acredito que tem de ser. porque a gente tem de acreditar em algo. porque, como já disse Chico (o Buarque), 
"tudo é vário. 
temporário. 
efêmero". 

...mais do que desejar que os dias continuem frios, que as cafeterias fiquem cheias de sorrisos, chás e cappuccinos com chantili, que os casacos saiam do armário pra ver o céu azul que se faz do lado de fora, esse texto também é para agradecer. por cada um que continuou passando por aqui, quando eu mesma deixei de passar porque achei que nosso propósito (meu e do blog), já tinha se perdido há um tempo... a gente voltou... porque saber que alguém vem aqui, buscando cores em forma de palavras, faz com que a gente continue. então, de coração, obrigada! por aquecerem meu inverno com cada visita... 


segunda-feira, 22 de junho de 2015

.um gesto.

gostar: 1. dedicar amor; 2. querer, estimar; 3. ter afeto


Era isso, então. Aquela vontade de dividir o mundo e fazer o outro sorrir, se resumia em um verbo transitivo indireto, simples, mas que causava tanto espanto. Talvez porque as simplicidades nunca caibam em qualquer explicação. E pr’aquilo que a gente não explica, resta sentir. E sentimento nem sempre é tão leve quanto deveria. Se conseguisse se importar menos, talvez tudo deixasse de ser tão monstruoso. Mas ao invés disso, resolveu colecionar sorrisos e pistas, em silêncio, mas que faziam dela alguém gostável também. Ou quase. A verdade é que coragem nenhuma nesse mundo a deixaria dizer em alto e claro som daquilo que por vezes doía; por outras alegria; por fim (nunca se sabe um fim), vivia. No entanto, aprendera ainda criança, que quando se atribui um verdadeiro valor ou significado a um sentimento, ele morre um pouco, se apaga por não querer se fazer compreendido... assim, hoje de manhã, logo ao acordar, nem se levantou da cama e já disse pra si mesma: “gosto, gosto muito!”.  Era ali, então, seu primeiro passo para desfazer daquilo que lhe dava brilho nos olhos e pequenos cortes de mágoa no coração.


---------------------------------------------------------------


segunda-feira, 15 de junho de 2015

.entre o meio e o fim.

Mais uma vez, recomeço. Agora, partindo daquele ponto em que se perdeu, outra vez, um pouco da delicadeza, da cor e da solidão. Afinal, se é pra ter de volta a leveza da alegria, que seja ainda no outono, quando o tempo passa mais depressa por nós. Eu sei que não tem sido fácil pra você desde o último verão. As coisas deram um giro e continuam girando, girando, girando... como se você fosse cair a qualquer momento e machucar os joelhos, como na infância. Eu sei. E compartilho da sua aflição, embora eu prefira chamar de inquietação. Tens o coração inquieto desde menina, desses que não param em um caminho só: preferem zanzar daqui pr’ali, se enchendo de amor até transbordar. E quando transborda, já era! É hora de saltar, porque é melhor ir assim de fininho, sem fazer alarde, à francesa – como dizem – do que se ferir outra vez. Só que até coração inquieto, minha pequena, vez ou outra se encosta num peito manso, pra sentir outro coração pular descompassado, como todo seu carnaval. Só que até carnaval acaba, querida, deixando saudade, flor, confete e serpentina. Então, vai! Apruma esse peito, chora se preciso for, se perdoa pela entrega, recobra teu silêncio, enche os olhos de sorriso, e vive! Porque não há dor que dure o ano inteiro, nem amor que não valha a pena. Escreve: há de ter um jeito de a gente se recuperar, sem colecionar cicatriz...



segunda-feira, 13 de abril de 2015

sexta-feira, 3 de abril de 2015

. do livro de cartas .

[pelos dias de outono]

passei todo o verão sem lhe escrever, porque soube que você não conseguiu lidar com as destemperanças da vida. fui covarde, eu sei. te deixando sozinha outra vez. mas veja bem: aprendi tanta coisa durante esse tempo, Alice. uma delas é que você precisava se amar, antes de chegar outro inverno. e foi por isso que eu fugi. e foi assim que você aprendeu a se olhar com o coração mais puro.

a vida é muito mais do que esquecer, minha querida. e é por isso que a gente vai sempre preservar nossas melhores memórias...



Com amor, 
Salvador.



segunda-feira, 30 de março de 2015

. um vão .

essa delicadeza toda e essa vontade de seguir em frente, com que você me notou logo ao chegar, não passam de um jeito simples de te dizer que fique. por um ou dois dias, meses, anos, ou até durar nossa vida inteira. porque já não se fazem mais amores como antigamente, em que o olhar reconhece o cheiro, que ativa a lembrança, que costura as histórias em um daqui pra frente, que arremata tudo que já passou. que mesmo que a gente (re) conheça todas as distâncias de todas as outras vidas que por ventura tenhamos vivido, que mesmo que a gente não acredite mais nesses abraços intermináveis que viram eternidades em segundos, que mesmo que a gente nunca pense em quanto tempo vai durar ou valer... que você me lembre na próxima parada, como faço por todos esses anos. e volte. sempre que for preciso...






♫ "Olha pra Mim", Vanguart

domingo, 22 de fevereiro de 2015

.(re) soluções

sempre foi de dar um jeito nas coisas. 
quando era de esquecer, esquecia. 
quando era de viver, ia.
e se era pra chorar, corria uma ou duas lágrimas, e depois sorria, como que nada (ou quase) aconteceu.

Mas dessa vez, ficou um pouco agarrada à ideia de companhia.
e, por mais que não desejasse sofrer outra ausência, pegou o gosto e foi: coração fora do peito, olhos de sorriso, coragem até a próxima estação.
que se precisar recolher os cacos, é mais fácil sofrer em qualquer outro lugar longe daqui.
e então deixou tudo pronto, já para o caso de precisar partir...

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

.voltando.

o amor chegou dobrando a esquina, em silêncio, quando percebeu que não precisava de mais que um sonho, dois empurrões e um espaço de tempo entre a solidão e a companhia. chegou quando, desacreditado, Antônio fechou os olhos e deixou a vida correr; chegou quando Maria correu para o hospital para ver a avó pela penúltima vez; chegou quando Joana saiu de casa para morar no conjugado-quarto-sala-cozinha, com as paredes brancas e uma flor na janela, que comprou a prestações; chegou quando João presenteou Francisca com girassóis; chegou quando Francisco entrou pela porta da frente e, pela quinta vez consecutiva, sorriu para Andreia; chegou quando André ganhou seu primeiro violoncelo e tocou Bach como se a música também fosse sua; chegou sem alarde para Paulo; gritou pelos quatro cantos da casa de Pedro; jogou um balde de água fria na cara de Marina; aqueceu os pés de Alice; soou como uma sinfonia para Isabel. chegou dizendo pra tia, pra mãe, pro irmão, pro avô... que nunca tinha ido embora. só estivera um pouco ausente do coração dela, para que não houvesse engano quando tivesse de ser presente de uma vez...