quarta-feira, 8 de julho de 2015

. você vai voar, eu sei .

Dizem que nasceu em uma dessas manhãs bem frias de julho, em que não é permitido sair de casa sem meias para proteger os pés. Não tinha sol. Assim como também não havia solidão nos olhos ou palavras que fizessem algum sentido, mesmo que tivessem a mínima importância. Cresceu assim. Preferira que fosse outono, claro, mas como sempre disse, “a gente não escolhe quando chegar e nem tem coragem suficiente pra decidir quando partir”.
Nunca se queixou da vida, nem foi de criar muitos sonhos ou expectativas. Era meio feliz e só. Quando criança, não pensava em envelhecer. Foi deixando o caminho ser traçado, no tempo dele, com todas as implicações e docilidades que isso pudesse significar. Era dessas pessoas que choram em público e que carregam a fragilidade nos olhos. Não tinha pressa de viver, até porque sabia que quanto mais adiasse a vida, mais longe se manteria da morte e da dor.
Tinha dias, no entanto, em que entristecia e queria partir. Viver em qualquer outro lugar que pudesse lhe trazer algo novo. Perto ou distante. Não importava. Aí, quando era assim, eu só dizia a ela que as coisas iam melhorar, embora eu mesmo desacreditasse nisso algumas vezes. Então eu apagava as luzes. Cobria-lhe os pés gelados com a coberta encolhida no pé da cama. Dava-lhe um beijo na testa e ela sorria confortada, meio feliz, meio sofrida como passou a ser. Imagino que se sentia menos só quando era assim. Imagino que fechava os olhos todas as vezes pensando: “até quando, meu Deus!”.
Deus.
Porque fé ela ainda tinha.
O que eu gostava mesmo era dos dias em que ela ficava satisfeita e gargalhava da vida feito criança. Daí fazia planos, prestava conta do dinheiro que guardava, pensava em viajar, em arrumar o cabelo, comprava uma roupa nova, e me parecia ter sido feita pra viver assim: na alegria das pequenas coisas. Nesses dias, a esperança dela redescobria a minha e, automaticamente, o mundo parecia menos vazio e a minha solidão ficava um pouco menor.
Meu medo maior era de que ela desistisse, ‘entregasse os pontos’, como dizem por aí. Meu medo era que ela se doesse muito, ainda mais do que já doía, e resolvesse parar de acreditar nas manhãs. Meu medo era que ela perdesse as forças e eu não tivesse coragem suficiente pra lhe amparar e pra lhe cuidar as tristezas. Meu medo era que ela não suportasse e, assim, minha vida se tornasse insuportável também.
Ela não aprendeu a dizer “eu te amo”, mas eu lhe dizia sempre que a saudade apertava ou quando eu sentia simplesmente que a minha vida seria pra sempre um buraco vazio sem ela. Daí a gente se sorria, mudava de assunto e tudo continuava como tinha que ser: em silêncio, como quem crê na beleza dos recomeços.

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