quinta-feira, 11 de abril de 2013

. com o coração .

Te vi pelo reflexo do espelho, por detrás dessas lentes grossas da sua miopia. Tão bonita, que se estivesse mais perto, eu não saberia nem o que te dizer. Talvez arriscasse, num sorriso meio frouxo, resmungar que já tem dias que não faz sol pelas manhãs e que, embora eu tenha tendência à melancolia, não faz bem aos meus pés gelados tanta umidade de chuva. Talvez você me sorrisse. Ou, vai ver, me questionasse, em perguntas que eu não saberia sequer responder. Na verdade, por muitos dias eu cheguei a acreditar que, quando fosse outono, você deixaria de ser tão só. E, quando chegasse o inverno, você bateria na minha porta com biscoitos cobertos por chocolate e uma caixinha de chá de maçã e canela, em um sábado gelado qualquer. Eu não gosto de chocolate e você bem sabe que não sou chegado a tantas doçuras. Mas me alegraria ver seus olhos claros quebrando meu silêncio e a escuridão da minha casa pequena no vigésimo segundo andar. Eu trocaria meu sofrimento por meia dúzia de palavras suas...
 
Talvez eu devesse te dizer que tudo isso é uma vontade delicada, mas muito grande, de erguer paredes, pintar janelas de branco, trocar as luminárias, consertar o encanamento, comprar margaridas amanhecidas no mercado, ter geleia e pão nos armários, um tapete felpudo na sala, novas fotografias nas paredes do quarto, me (re) construindo em uma nova vida. Simples. Diferente. Que você veria por detrás de suas lentes grossas. Que descansariam todas as noites depois das onze, esquecidas no criadinho ao lado das minhas...

sábado, 6 de abril de 2013

. entre um silêncio e outro .


Achava que isso de amor era coisa séria demais pra lhe tocar. Entrou no trem em direção contrária. Foi para o sul viver. Cabia no peito, vez enquando, uma saudade fininha do leite quente com chocolate e do chá que ela costumava beber rigorosamente às quartas e quintas. Aí, quando era assim, pegava um álbum de fotografias que ela dividira em estações pra ser mais fácil lembrar. Ficava ali, olhando. E vez ou outra até sorria, um pouco que de satisfação, outro pouco de tristeza. E então ia ler um livro, separava um disco ou colocava o casaco e ia pra rua caminhar um pouco. Ver gente. Sentir o vento fresco das tardes de outono. Esquecer. Viver. 

Nenhum dos dois sabia que amor, desses construídos de verdade, acontece só uma vez, normalmente enquanto nossos olhos piscam... quase nunca pra ficar. Porém, infinito.