quinta-feira, 21 de novembro de 2013

. coisas que aprendi com a saudade .

Quando cheguei era um pouco tarde. Você já tinha juntado suas coisas e partido para o outro lado do mundo. Nem sei se levou muitas malas. Se recolheu tudo o que tinha. Ou se deixou alguma lembrança para os seus pais. Eu nunca soube onde você guardou tanta coragem. Mas eu sempre acreditei nela. E no seu bom coração. E nos seus olhos sorrindo. E na sua vontade de ir. Sobretudo em frente, pelo caminho que seu sonho escolheu.
O amor tem de nos perdoar às vezes... principalmente quando a gente é covarde e esquece que ele é a única chance que temos de permanecer vivos. A gente deve se perdoar pelo amor... porque é também por ele que deixamos a vida aberta, de jeito a não manter prisões. De jeito a permitir que caminhos se separem. Pra que se juntem outra vez depois de um tempo, se assim tiver de ser.
"Porque a vida segue. Mas o que foi bonito fica com toda a força. Mesmo que a gente tente apagar com outras coisas bonitas ou leves, certos momentos nem o tempo apaga. E a gente lembra. E já não dói mais. Mas dá saudade. Uma saudade que faz os olhos brilharem por alguns segundos e um sorriso escapar volta e meia, quando a cabeça insiste em trazer a tona, o que o coração vive tentando deixar pra trás"
. Caio F. Abreu .
 
 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

. metaforicamente

O mundo é bem maior do que você pensa, embora ele caiba na palma da tua mão em algumas manhãs chuvosas de verão. E é bonito vê-lo pelo reflexo dos seus olhos e do seu coração, embora algumas vezes os dois fiquem um pouco embaçados pela poeira da vida.

Não me lembro bem ao certo qual foi o dia, mas a impressão que sempre tive é a de que você me trouxe uma caixa fechada de alegrias desde que chegou. E mesmo que doa às vezes, já que todo sorriso traz consigo uma consequência, lhe abrirei os braços sempre que você partir e voltar. E partir outra vez. E voltar de novo... porque deve ser assim a vida. E acredito que o coração da gente (ou ao menos o meu) sempre sabe, nem que por alto, a quem amar.

Por isso não se assuste com o tamanho da vida. Com o tempo. Com seus sonhos. Com a tristeza. Com os dias de chuva. Com a solidão. O mundo é bem maior que seu coração, mas não é capaz de abraçar silêncios. Nem de apartar magoas. Nem de matar de saudade. E é sim bem maior que a gente pensa. Mas nunca vai ser tão grande quanto a alegria de dividir o vento, o caminho, o passo, a mesa, a vida com você. Ah, que maior que isso ele nunca vai conseguir ser...

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

. caio .

"Sou tão talvez neuroticamente individualista que, quando acontece de alguém parecer aos meus olhos uma ameaça a essa individualidade, fico imediatamente cheio de espinhos — e corto relacionamentos com a maior frieza, às vezes firo, sou agressivo e tal. É preciso acabar com esse medo de ser tocado lá no fundo. Ou é preciso que alguém me toque profundamente para acabar com isso. Tenho medo de já ter perdido muito tempo. Tenho medo que seja cada vez mais difícil. Tenho medo de endurecer, de me fechar, de me encarapaçar dentro duma solidão-escudo."

. Caio Fernando Abreu in 'Carta a Vera Antoun' .
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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terça-feira, 8 de outubro de 2013

. do livro de cartas .

[escrita em um dia qualquer de outubro]

foi bom vê-la sorrir insistentemente outra vez. fazia tempo que teus olhos semi abertos te impediam de ver todas as cores do mundo e eu sempre achei isso um desperdício. tudo bem. prefiro sim que às vezes a escuridão te impeça de sofrer. mas convenhamos que até a dor é mais bonita quando se sorri.
sei também o quanto isso é difícil pra você. tantos carros, tanto barulho e uma sensação estranha de não pertencer a lugar algum. e ainda ter que acordar, fazer café, trabalhar, estudar, voltar pra casa, dormir, acordar, fazer café... mas há uma esperança nisso tudo e você sabe. há sempre uma ponta de esperança nos silêncios. e em todo o resto que movimenta a vida.
aproveite as tardes frias da última semana de mais um ano seu que termina, Alice. encare como um presente generoso de alguém que deseja que você seja feliz até nas primaveras. vista polainas quando for a feira. tem feito dias gelados aqui fora. espero que continue cuidando do seu coração...

Com carinho,
Salvador.

 

terça-feira, 24 de setembro de 2013

. nota nº 2 .

[do livro de cartas]

. acontece, às vezes, de a gente não ter pra onde ir.
você sabe: gente demais, rostos iguais e ninguém semelhante à sua solidão. é nessas horas que a gente se recolhe ao silêncio. coloca uma música bem leve. e vai pintar. ou escrever. ou ler um livro parado há dias na escrivaninha, junto a tantos outros ainda não lidos. 
não sei se é coisa da idade [como dizem por aí que pode ser] ou se é nosso jeito de preferir a melancolia até quando a primavera recomeça a florir. 
vai ver, não criar expectativas demais seja um jeito de sair daqui. 
como surpresa, sabe? você pisca os olhos e pronto: já está fora, em outro lugar que, ao menos inicialmente, pareça te pertencer. e vai acontecendo assim, como mágica. 
cada fase, um lugar. cada astral, uma estação. cada dia, uma vida diferente. cada recomeço, uma chance maior de preencher vazios.



domingo, 22 de setembro de 2013

domingo, 18 de agosto de 2013

. nota n°1 .





. alguns dias nos pedem coragem.
hoje foi um deles.
o relógio já marca 22 horas e 42 minutos.
e, até agora, ainda não sei se venci . 

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

. sobre o amor (ou qualquer outra coisa boa que faz sorrir enquanto se caminha) .

(ou sobre avós)

ela já não ouve mais muito bem nem com o aparelho de surdez. é preciso gritar (com delicadeza para não machucar-lhe o coração) e repetir a mesma frase, às vezes mais de duas vezes, cada vez mais devagar, aumentando o volume aos poucos, olhando fixo dentro dos olhos (porque eles acabam contando se conseguiu mesmo entender ou se só finge, para evitar o desconforto).
ela já não anda mas sozinha. agora precisa de um suporte feito de ferro (ou de algum material semelhante) para se locomover. às vezes se apoia nas paredes. outras, tenta firmar o corpo nas próprias pernas, mas acaba se rendendo ao "andador" que, agora, é seu maior companheiro. 
ela tem passado a maior parte do tempo deitada. tem manhãs que não se levanta nem pra tomar o café. gosta de comer ali mesmo. na cama. diz ser mais confortável e conta que o trajeto do quarto até a cozinha lhe faz sentir muito cansada. 
ela já não faz mais café nem tem biscoitos de polvilho guardados nas latas no armário. está sempre acompanhada por uma bolsa de remédios (uns oito ou nove comprimidos pela manhã, mais alguns após o almoço, um bem pequeno depois do café - que serve para dormir -, fora o colírio para descansar os olhos). 
no entanto, ela continua sendo a pessoa mais amorosa que já conheci. que tem um dos sorrisos mais frágeis e mais gostosos de se ouvir. que tem a memória de poemas, de lugares, de casos, de pedaços... de infância.

outro dia, já era tarde, cheguei em casa e, com os olhinhos cansados, ela torcia os dedos no sofá:
"estava só esperando você chegar. porque estava com saudade".
e então eu compreendi a leveza e a simplicidade do amor.

foi ela quem me aproximou mais de Deus. tenho certeza. E também é ela quem cuida, todos os dias, para que Ele não se afaste de mim.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

. sete .

Entrou.
Abriu as portas e as janelas.
Deixou que o vento entrasse junto com o sol das manhãs de agosto.
Só esqueceu de avisar a ela que ainda era muito cedo pra ficar.

Enquanto isso, espera...
 

quarta-feira, 10 de julho de 2013

. qual a cor do céu de inverno .

eu deveria ter te dito que só vim até aqui porque não tinha outra escolha. talvez você compreendesse que certos silêncios são inevitáveis e que alguns caminhos precisam ser traçados, mesmo que sem volta. e eu poderia ter juntado uma porção de justificativas que te fizessem entender que a única coisa que eu planejei pra você foi um CD com suas canções preferidas e não essa caixa de mágoas. talvez assim você me perdoasse as dores, as ausências, os vazios e os momentos de solidão. eu queria ter te contado como os silêncios acabaram enchendo meu coração de paz. talvez assim você compreendesse que a frieza e a amargura de ontem, eram parte do processo de fuga, que hoje me trouxe de volta a docilidade e os sonhos de anos atrás. e eu deveria ter mentido um pouco mais, eu sei. talvez assim te poupasse dores de cabeça, rugas nos olhos, peso nos pés e no coração. 
eu deveria ter te dito que eu nunca soube nada do amor. mas que eu tive a certeza de que ele existia, em uma manhã dessas bem azuis em que o inverno é mais frio e a solidão não existe porque a gente sabe que em algum lugar do mundo tem alguém que nos espera voltar.
e eu só queria que você soubesse que a esperança existe. que eu guardo a fé nos recomeços. que é tudo questão de tempo. que eu preciso que você sorria, pra tentar ver graça na vida também...

[só queria que você soubesse que cada mágoa sua dói muito mais em mim]




segunda-feira, 8 de julho de 2013

. entre .

. e o bonito, mesmo que aparentemente triste,
é deixar um pouco de amor por onde se caminha.
Mais bonito ainda é levar por dentro, mesmo que com o coração apertado,
um pedaço do que faz sorrir,
preenchendo aqueles vazios que são (e sempre serão) eternos .
 
 
 
"You spend most time
Searching for the love that'll be searching for your love
You love to save your love for love
Spend more time loving"

quinta-feira, 4 de julho de 2013

. em pausa .

. ela gostava de se prender aos silêncios
de certa forma, era isso que a mantinha mais perto da vida .


domingo, 16 de junho de 2013

. um bilhete para alice .

Junho de 1989.

esse é seu último domingo de outono e você [em silêncio] se deparou com todas as expectativas deixadas em repouso no verão. você talvez tenha até se esforçado para que tudo fosse diferente e realmente chegou a acreditar que pudesse ser... mas tá aí. colecionando mágoas. vendo a vida passar pela pequena fresta da janela, entreaberta numa madrugada sem estrelas.
eu sei que a vida nunca foi fácil. 
que a solidão te corrói.
que a amargura te guarda.
que a frieza te recompõe.
mas ouve! amanhã já é segunda e o ciclo está pronto para recomeçar, apenas se assim você permitir... e eu queria que você não permitisse. ao menos dessa vez. e que tirasse de lá do fundo do coração, uma força de recomeço. e que fosse feliz. de verdade [cercada pelos clichês do "custe o que custar"].
que saísse mais de casa. que olhasse mais pra vida. que tivesse mais amor [por você dessa vez]. 
eu volto quando for primavera, Alice. 
até lá, aqueça os pés. e congele essas lágrimas, como pequenos torrões de açúcar.
quero você sorrindo da próxima vez...

com esperança,
Salvador.


terça-feira, 4 de junho de 2013

. do livro de cartas [entre aspas] .

Sempre vão dar um jeito de partir seu coração, pequenina. Mesmo que isso fique escondido entre os sorrisos e a felicidade que eles dizem sentir. Sempre te roubarão um pouco a alma. Mesmo que não percebam o quão mal podem fazer a alguém que só aprendeu [em silêncio] a pedir perdão [e a perdoar].  Não vão se importar se sempre chove no seu carnaval [nem perguntar quanto tempo você levou pra chegar até aí, onde está agora]. Não vão tentar saber sobre quantos leões você mata por dia [nem sobre quantos ainda permanecem vivos. porque você assim permitiu]. Não te olharão nos olhos [por falta de tempo]. Não ouvirão sua voz [por excesso de lamentos]. Não saberão do teu amor [por achar, pelo rumo dos seus passos, que ele não existe mais].

 
Aí, você vem e me pergunta sobre quanto vale. Sobre o que importa. Sobre como serão as coisas amanhã, quando o sol nascer e você tiver pela frente outro dia novinho, ainda que coberto pela poeira adormecida de anteontem. E eu vou te dizer pra ouvir uma música, comprar uns discos, aquecer esse coração com um pouco de chá, iluminar e perfumar essa casa, comprar um novo agasalho porque o inverno prometeu ser mais rigoroso esse ano, alugar uns filmes, ler outros livros, ter um aquário, rir um pouco [da vida, dos tropeços, do passado, de você]. Porque eu sei que uma hora ou outra isso passa. Porque eu também não sei outra forma de preencher vazios...


domingo, 26 de maio de 2013

. sobre alegrias .

não que não fosse feliz. 
ou que não se emocionasse mais com pequenas coisas e gentilezas. 
ou que, ainda, não se assustasse mais com as cenas e os filmes de terror. 

a diferença é que agora tudo era um pouco mais real que o tempo de antes. "e a realidade pode ser cruel", ela já sabia, desde bem moça, quando deixara de acreditar em grandes ilusões. 
eu tentei lhe dizer que, embora bonito, o mundo é uma pequena armadilha. em que é preciso ter destreza para não cair em desrazão. 
"não vá se arriscar nessa corda bamba, querida! equilibrando-se entre mágoas e ilusões".
mas todo contrário é indelicado quando se tem sonhos. e toda dor é grande quando permite se ferir demais. 

não há lágrima que cure. 

mas a gente bem sabe que há tempo que cicatrize. e que faça adormecer qualquer solidão...






sexta-feira, 3 de maio de 2013

. ah, Antônio! .

 "(...) Seu mundo sempre foi confuso, uma mistura moderna de Garcia Márquez com qualquer pintura de Velásquez. Você só parece amar quem pisoteia nos seus sonhos, quem tapa os seus sorrisos com lágrimas, quem lhe abandona sem roupa, sem mundo, sem beijo. Veja só: As Meninas na corte do rei parecem cortejar o seu coração. Corta a cena: seu azar foi ter vivido Cem anos de Solidão em uma única relação. Talvez por isso nada lhe emocione mais: nem o piano que toca algumas notas de jazz, nem o coração em guerra que, no peito, hasteia uma bandeira de paz. Talvez por isso nada lhe interesse mais: nem as cartas nem as caras de amor. (...)"
 
["O Amor é Bem Mais do que Tudo Isso", em Eu Me Chamo Antônio]
 
 
 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

. com o coração .

Te vi pelo reflexo do espelho, por detrás dessas lentes grossas da sua miopia. Tão bonita, que se estivesse mais perto, eu não saberia nem o que te dizer. Talvez arriscasse, num sorriso meio frouxo, resmungar que já tem dias que não faz sol pelas manhãs e que, embora eu tenha tendência à melancolia, não faz bem aos meus pés gelados tanta umidade de chuva. Talvez você me sorrisse. Ou, vai ver, me questionasse, em perguntas que eu não saberia sequer responder. Na verdade, por muitos dias eu cheguei a acreditar que, quando fosse outono, você deixaria de ser tão só. E, quando chegasse o inverno, você bateria na minha porta com biscoitos cobertos por chocolate e uma caixinha de chá de maçã e canela, em um sábado gelado qualquer. Eu não gosto de chocolate e você bem sabe que não sou chegado a tantas doçuras. Mas me alegraria ver seus olhos claros quebrando meu silêncio e a escuridão da minha casa pequena no vigésimo segundo andar. Eu trocaria meu sofrimento por meia dúzia de palavras suas...
 
Talvez eu devesse te dizer que tudo isso é uma vontade delicada, mas muito grande, de erguer paredes, pintar janelas de branco, trocar as luminárias, consertar o encanamento, comprar margaridas amanhecidas no mercado, ter geleia e pão nos armários, um tapete felpudo na sala, novas fotografias nas paredes do quarto, me (re) construindo em uma nova vida. Simples. Diferente. Que você veria por detrás de suas lentes grossas. Que descansariam todas as noites depois das onze, esquecidas no criadinho ao lado das minhas...

sábado, 6 de abril de 2013

. entre um silêncio e outro .


Achava que isso de amor era coisa séria demais pra lhe tocar. Entrou no trem em direção contrária. Foi para o sul viver. Cabia no peito, vez enquando, uma saudade fininha do leite quente com chocolate e do chá que ela costumava beber rigorosamente às quartas e quintas. Aí, quando era assim, pegava um álbum de fotografias que ela dividira em estações pra ser mais fácil lembrar. Ficava ali, olhando. E vez ou outra até sorria, um pouco que de satisfação, outro pouco de tristeza. E então ia ler um livro, separava um disco ou colocava o casaco e ia pra rua caminhar um pouco. Ver gente. Sentir o vento fresco das tardes de outono. Esquecer. Viver. 

Nenhum dos dois sabia que amor, desses construídos de verdade, acontece só uma vez, normalmente enquanto nossos olhos piscam... quase nunca pra ficar. Porém, infinito.



quarta-feira, 20 de março de 2013

. calmaria anunciada .

passado o verão, que, pra mim, é a estação mais eufórica e longa do ano, com uma obrigação escondida de ter-que-ser-feliz-a-qualquer-custo [porque é ano novo, e tem céu azul, sol, praia, férias, janeiro], vem a calmaria delicada do outono. Que faz das manhãs mais leves e das tardes mais doces e preguiçosas. Que vê os intervalos como uma possibilidade de encerrar alguns ciclos e inaugurar outros novos em qualquer anoitecer de vento leve.

gosto do outono. Dá-me a impressão de que é possível reinventar os dias a qualquer minuto e prepará-los pra outros verões que ainda possam vir. Gosto de pensar que a vida [ao menos a minha] se reinaugura a cada fim de março numa esperança meio boba de que, além da leveza, outono traga também força, surpresas e presentes [e, de tanto acreditar, acaba sendo assim]. Gosto do vento fresco, das cores, do café no fim da tarde de domingo, do silêncio entrando pela porta da frente, das folhas secas estalando por baixo dos pés...

gosto de imaginar que felicidades, ainda que imprevisíveis, se anunciam quando é outono. e que o coração pode descansar dos saculejos e agitações do mundo.
acho um pecado desperdiçar cada estação como se todas fossem iguais...

quinta-feira, 14 de março de 2013

. em partes .

3.

Outro dia te vi saindo. Era sábado, você usava um cachecol vermelho, um óculos escuro grande e eu fiquei feliz de te ver, embora tenha me preocupado com sua pele branca tão exposta ao sol da tarde. Eu sei que nunca dei a mínima pras suas alergias de calor. Sei também que sempre fui realista demais te mandando ir ao médico, enquanto o que você queria é que eu me levantasse e comprasse o remédio que tinha acabado e sempre lhe aliviava dores. Sei que vai dizer que não preciso me preocupar porque você está bem. Sei que não vai acreditar se eu disser que me preocupo inclusive com as sardas que você tenta esconder com corretivo e pó compacto, e com as manchas no seu braço esquerdo, que já estão pulando para o direito. Mas é verdade. E eu acho que você precisa se cuidar... que cada dia a mais é um a menos. Que nem sempre é preciso esperar uma nova estação para recomeçar, que você é frágil demais para enfrentar esse mundo sem poesia. Que já são quatro semanas e eu preciso confessar que cochilei na janela esperando você voltar aquele dia. E foi aí que você passou por meus olhos sem que eles percebessem.

E eu apenas sinto muito...

[trecho dos Mini Contos - parte II | parte I: ver aqui]

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

. do livro de cartas . de volta ao começo .

É bom escrever pra você, Salvador. Mesmo que nunca compreenda porque escrever para alguém que não se vê mais e de quem se tem poucas notícias. Mas alivia. Torna a respiração mais leve e os pulsos mais delicados. Deixa as manhãs mais claras e ameniza a espera por outro outono. Esse verão foi longo demais, não achou? Teve dias em que eu pensei que seria pra sempre assim e que a gente nunca mais poderia pisar nas folhas secas, nem colher a melancolia dos domingos entardecendo. Porque são por demais melancólicos os domingos de outono... são mais solitários que todos os outros pra mim. Mas existe algo bom nessa melancolia e é o mesmo bom que a gente vê na solidão, no sofrimento e no céu adormecendo sem estrelas. E você vai me dizer que não vê nada bom nisso e eu vou te responder que existe sim e que eu chamaria “adultamente” de amadurecimento. Você amadurece, porque precisa se encontrar de alguma forma quando se está só. Daí sofre. Dói. Desaparece. Mas aprende a olhar com os olhos de dentro. Cria invariáveis. Respira. Pensa. E vê que a vida é mais doce quando se tem melancolia.
Não me tranco em casa quando é outono, você bem sabe. Gosto das praças e das pessoas, ambos em seus entardeceres. Penso que algumas delas (dessa vez falo só das pessoas), não conseguem perceber. Não as culpo, sabe. Afinal de contas, viver é isso, não é mesmo? Um amontoado de coisas desconhecidas, passando rapidamente por nossa frente, a todo tempo, sem que consigamos alcançar. Não quero que seja assim pra sempre, Salvador. A gente sempre combinou que seria diferente, apesar de. E dessa vez eu prometi (cheia das minhas convicções), que seria. Por isso ando economizando um trocado aqui, outro ali, e vou ver você quando ainda for outono. Esse outono. Daí, se quiser, pode vir comigo pelos outros, que já tenho nota, escala e cor definidas pra seguir. Sim Salvador. A vida não é aqui. E ainda não é essa. Mas aos poucos, vai tudo se ajeitar. E eu acredito cheia de uma esperança branquinha, como essa paz de lhe escrever.

'Pour y arriver! Ainsi soit-il...'
 
(e uma canção que guardei pra você durante todo esse tempo... Morning Benders "Promises")

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

"vício"

"(...) dava pra te ver
do lado oposto
e eu não duvidava
que gostava de você (...)"
 

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

. sétimo dia .

Fez silêncio outra vez do lado de fora. E ela, que sempre soube exatamente o que dizer, esqueceu, por segundos, de ter espaço, verso ou vez. E encontrou o brilho mais bonito que já viu, dentro de um par de olhos mais perdidos que sua própria vida. E descobriu a certeza de sorrisos despretensiosos, na leveza de uma noite que parecia nunca ter fim.

"Mergulha querida, que o tempo ainda é seu”. Mas preferiu ficar na superfície. Por não saber nadar, num medo absurdo de se afogar.
 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

. já vai terminar o verão .

. e então voltou a ser cor e poesia,
achando que a vida era melhor com tom
e uma dose de rima a cada dia .

 
 
 
 
 
 
 
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domingo, 3 de fevereiro de 2013

. desde anteontem é fevereiro .

choveu na sala, no jardim, na rede na varanda, no prato vazio na cozinha.
alagou o colchão, inundou os quadros, molhou os sapatos, destruiu a casa quase inteira.
levou o passado, a mágoa, o certo, o errado, a saudade, o medo.
deixou a paz, o aconchego, um sorriso ao meio, duas verdades, um pouco de silêncio e a solidão delicada dos fins de verão...
... que talvez tenha sido o mais triste até então. mas que, com perdão à rima, é de uma tristeza que só vai durar até a próxima estação...

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

. maintenant l'été tire à sa fin .


A gente pode ir embora quando quiser, ou ficar pelo tempo que for preciso. Pressinto, algumas vezes, que será longa nossa estadia. E me alegro. Um pouco pelo seu sorriso, outro tanto pela leveza da sua companhia... eu sei que nada é eterno nessa vida. E você também deveria saber que aquele amor antigo, todo errado, não vai durar pra sempre em seu coração, nem se repetir nos próximos olhos em que você se encontrar. Por isso a gente veio, se encontrou aqui e por vezes sente vontade de ficar, seja em mãos dadas, em palavras ou em alguns segundos de silêncio, desses em que você poderia até ouvir o meu coração batendo descompassado.
Ei! Devo te confessar que ontem era tarde, eu tentei dormir e tudo que consegui foi sorrir de lembranças. É bom viver perto de quem nos dá sorrisos em troca de. Ainda bem, tem sido bom viver...






segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

. há treze anos, todo janeiro é assim .

eu não aprendi a tocar piano, nem sei dançar como as meninas do ballet que a gente via na TV. Eu não virei artista de circo, não me tornei uma expert em desenhos e pintura, não cresci muito nem aprendi a comer jiló. Não voltei àquele cinema nem àquela cidade, desde que cheguei até aqui. Ainda não consegui andar em linha reta e não soube o que fazer quando vi minha primeira planta morrer. Não perdi o medo de altura e, se for pra ter muita água, chego perto desde que só seja mar. Não me tornei atriz famosa e agora só faço contas em mesa de bar. Não aprendi ainda inglês, mas me prometi francês e, não sabendo lidar muito bem com palavras faladas, aprendi a respeitar meus silêncios e a me fazer entender assim.

não mudou muita coisa, acredite. E há 13 anos, todo janeiro é assim...

no entanto, agora atravesso a rua sozinha e lembro o passado com mais ternura e menos dor. Assisto pouca novela e leio mais (vó até disse da última vez que devia ter alguma coisa errada pra alguém ler tanto). Não acredito mais em qualquer pessoa e é preciso muito pra me desestabilizar, mas bem pouco pra me fazer chorar. Escrevi um livro que ainda não publiquei, deixei sem querer que me cortassem feio por dentro, mas com o tempo me reconstituí mais forte, como me ensinou antes de partir. Tenho sonhos (uma porção deles), uma profissão e uma distância que me faz ver mãe de 15 em 15 dias. Mas tô feliz. Tô forte. Tô numa paz branquinha, cheia de uma saudade que não tem cor.

sabe pai. Tem dias que eu choro em silêncio e acho que o caminho não vai vingar. Comprei um girassol que acabei não levando pra enfeitar teu jardim. Me perdoa pai. Eu posso até saber falar muito bem sobre morte e a saudade dolorida que eu sinto, cutucando feio o peito.  Mas acontece que ainda não aprendi a lidar com essa ausência. Confesso, pai, que às vezes até ouço um assovio semelhante ao seu. E por alguns segundos, ainda te espero entrar pelo portão.

domingo, 6 de janeiro de 2013

. retrato .

quando vi seu retrato na parede, pensei com o coração aos prantos, que era evidente que não existiam sequer mais semelhanças. eu, que passei a vida inteira sonhando pequenezas e simplicidades, entendi que ficar ali, diante daquele quadro pra sempre (ou pelo resto de tempo que fosse), exigiria em mim uma mudança brusca, que me levaria para o caminho óbvio do 'acostumar-se ia'...
acostumar-se ia a passar as tardes de sol por trás das janelas.
acostumar-se ia a deixar a louça sempre limpa, as mãos sempre prontas, o quarto sempre de pé.
acostumar-se ia a se vestir sempre em ordem, com os cabelos compridos e regrados, os dedos vazios de anéis.
acostumar-se ia a levantar todos os dias, preparar o café com torradas e geleia, com a mesma vista em frente, por mais 25 anos.
acostumar-se ia a sonhar mais ou menos, a comer mais ou menos, a caminhar mais ou menos, a se emocionar mais ou menos, a amar mais ou menos.
talvez isso não fosse assim tão ruim. mas pr'aquele momento era. porque eu quis tanto, tanto a euforia de noites longas e a paz de domingos acordando, que por pouco quase me esqueci. que o que tive o tempo todo sempre foi um retrato... antigo, amarelado e desbotando traços. com sonhos guardados no fundo das gavetas e um sorriso frouxo de "deixa o dia amanhecer" porque ainda se podia acreditar em manhãs azuis...