sexta-feira, 28 de setembro de 2012

. terceiro dia .

tinha uma tristeza meio incomum nos olhos. ao menos pra mim, que sempre a vi com copos cheios de drinks coloridos e cervejas escuras, dando gargalhadas que chamavam atenção de todo o bar. fiquei pensando se deveria perguntar o que era, mas fiquei com medo que dissesse que não era nada ou que começasse a chorar ali na minha frente e, em ambas as situações, eu não saberia bem o que fazer. a verdade é que eu sentia a falta dela completando as minhas frases e compreendendo minha falta de vontade de sair da cama aos domingos. mas deixei bem claro, escrito nítido em minhas ausências, que nos restaria a calma de sermos bons amigos, que se encontram duas sextas por mês e por ventura aos sábados. no fundo, eu queria mesmo que ela não aceitasse essa nossa nova relação. que ligasse de madrugada, batesse na minha porta com chocolates e chá, de malas prontas, pra ficar... mas ela se retirou da minha vida com a classe que sempre teve. e a delicadeza que nunca precisamos. chegamos a trocar um 'oi' distante, arrisquei ensaiar um abraço e até perguntei o que andava fazendo, se tinha algo novo pra me contar. até a amiga chata dela chegar, meu telefone tocar e a gente encerrar a noite. ela em um táxi "direto pra casa por favor". eu descendo a rua à procura de um lugar aberto, uma companhia e uma dose de amor, por favor...

domingo, 23 de setembro de 2012

. lettre de printemps .

21 de setembro de 1990

Querido Salvador,

em dias assim, meio frios e nublados, sinto vontade de lhe escrever. Lembro a garoa fina que cai nas suas tardes, penso nas conversas longas ao telefone e me recordo como eram alegres as suas chegadas e como suas partidas levavam sempre um pouco de mim.
Já é noite, entra um vento fresco pela janela aberta e eu fico me perguntando o que você tem feito, como reagiu sua mãe, como ficaram seus irmãos. Tive tanto pra lhe falar, tanto! Mas creio que a vida estava determinada quando organizou nosso desencontro, porque nunca mais descobrimos onde fica o caminho de volta.
E embora tudo pareça estar no mesmo lugar, não está porque hoje eu não sofro mais. E quando sofro, faço silêncio, levo uns dias pra digerir, mas resolvo tudo comigo, sem mágoa, sem amanhã, sem dor.
Poderia lhe dizer que houve um inverno mais triste, que aquele meu verão de 87 e que nunca aguardei com tanta ansia, a chegada de outra estação (salvo os outonos). A verdade é que queria ligar, pedir pra me ajudar, pra me tirar daqui, dizer que ainda há esperança na vida, que o descaminho da nossa última conversa, no Natal passado, se foi. A gente podia tomar um chá, o clima aí também é bom pra cafés... poderíamos cruzar a cidade inteira de metrô, mas eu só não queria acordar aqui em mais um aniversário seu.
Porque tudo perdeu um pouco o rumo, a razão e a certeza. E de repente, essa cidade com suas milhares de ruas iguais, ficou pequena demais pra mim.
Sei que você vai pensar que estou escrevendo pra tentar recuperar amor ou pra refazer os planos de casa-lilás-com-varanda-lua-rede-rosas-e-grama-no-quintal. Mas não! Acontece só que de repente deu uma vontade disfarçada de recomeçar...
Não. Não se assuste porque não vou chegar aí às duas da manhã como da última vez. O céu cheio de neblina, seus olhos cansados esperando o avião, os meus felizes ao te ver...
Não é nada de especial. Queremos as coisas depressa demais, não é mesmo? 

Sinto saudade.
Com todo o amor,

Alice

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

. fuga .

. e eu que deveria ter ido embora, fiquei mais um dia, enquanto você compunha outra canção .
 
 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

...

"Por mais que eu ande
Nada em mim imagina
O que é que tal menina tão pequena
Está fazendo assim
Numa cidade tão grande."
Paulo Leminski

domingo, 9 de setembro de 2012

. segundo dia .

que quando eu vi você, sentada na escada abraçada aos joelhos, eu tive certeza de que não passaria sozinho mais nenhum pôr do sol. eu quis sentar um pouco, contar que já era quase noite lá fora, dizer que estava ali porque te vigiei o dia todo e que descobri há duas semanas que seu sorriso é o mais bonito que já vi. quis te contar que naquela quinta-feira no bar da esquina eu voltei correndo no seu ponto de ônibus porque não devia ter te deixado ir embora sozinha, mas você não estava mais lá. quis dizer que ninguém mais dorme de janelas abertas hoje em dia; que ninguém mais lê Caio F. Abreu com tanto amor; que não foi em vão nenhuma ligação às 2 da manhã; que ninguém mais tem olhos tão doces e por isso tive certeza de que era você.
 
mas aí choveu. a gente não dançou a última música e você se foi sem se despedir. óbvio que a gente entendeu. que lá do último andar, a vida é mais bonita que daqui debaixo. não adianta ter bons sentimentos quando se tem também um coração dolorido e embaçado...
 
que quando eu vi você eu entendi... que quando estendessemos a mão já seria verão. e que você não me esperaria. nem me veria outra vez com os mesmos olhos nem o mesmo coração...

domingo, 2 de setembro de 2012

. primeiro dia .

quando amanheceu, eu sabia que seria chuva.
e por mais que a gente 'desnublasse' o coração, ficaria sempre uma esperança boba, que faria enxergar sóis e desenhos nas nuvens. mas acontece que passaram meus 20 anos. e acho que quando a gente envelhece, as lágrimas começam a secar e as dores precisam ser mesmo muito fortes pra baquear e fazer perder a vontade de seguir... em frente, acima de tudo.
porque ninguém vai lhe comprar um guarda-chuva enquanto faz tempestade lá fora. e ninguém vai lhe ensinar o caminho de volta bem no meio da travessia.
você pode oferecer chá pras visitas, pintar as paredes de anil, decorar o jardim com girassóis... pode apreder a andar de bicicleta e deixar a janela aberta todas as noites esperando que caia uma estrela de verão no quintal. mas algumas coisas (talvez a maioria delas) precisam de tempo. feridas não cicatrizam de um dia para o outro. esperanças não brotam em olhos cansados de enxergar o óbvio...
 e já fez tempestade demais no meu inverno. deve de ser agora a hora certa de florir.