segunda-feira, 30 de julho de 2012

. une matinée tranquille .


e é assim que se escreve um recomeço.
com passos leves, serenidade e a delicadeza de asas de Bem-Te-Vi.
primeiro a tristeza, a dor, a falta de direção, de respiração, de fome, de paz... depois, a tranquilidade de dias de primavera, a sobriedade de manhãs de céu azul, o silêncio de tardes sem mar.
sozinha, enfim, assim como chegou em um fevereiro qualquer. só que agora, pode-se dizer com certeza que nunca se viveu um inverno tão triste e que nunca se esperou tanto por outro verão. porque tem vezes que o tempo pesa, porque não é mais permitido parar, porque qualquer reação pode abrir ainda mais a ferida, porque é preciso erguer a cabeça e sorrir sempre em qualquer fim...
curar a mágoa nem que seja com aspirina. recobrar a sanidade nem que seja preciso erguer morada em outro lugar. dormir no tempo certo nem que a base de calmantes e camomila. reescrever a vida em linhas retas porque já é tarde demais pra tanto remar sem direção...
organizar as gavetas, a cabeça, o coração... que quando parar pra ver, Deus já colocou ordem em tudo.
mas por enquanto, silêncio. e um vazio sem fim nem lugar...

terça-feira, 10 de julho de 2012

...

"Então não o ama mais?
- Amo. Só guardei isso num cofre. E tranquei.
E esqueci a senha. Não porque quis. Foi preciso..."

Caio F. Abreu

quinta-feira, 5 de julho de 2012

. doente .

"Estou curada!", exclamou vitoriosa. E eu sorri fingindo uma alegria compartilhada que, no fundo, era a manifestação de um egoísmo enorme que tomava conta de mim. Primeiro porque tentei por anos dar-lhe a certeza de que a tal doença só existia superficialmente, de um desejo dela de ser infeliz a qualquer custo. Segundo, porque foram várias sessões de terapia para um desconhecido qualquer dar-lhe o diagnóstico - que eu emiti anteriormente sem receita de calmante ou rivotril - de que estava curada. Terceiro: eu adoeci da doença dela. Passei a selecionar pessoas para conviver, a escolher lugares a frequentar, a ficar em casa o sábado inteiro sem previsão de quando ver a cara da rua, a beber vinho e ler cartas de amor escritas para desconhecidos só para apartar a solidão quando ela não estava. Parei de sambar no carnaval, passei a ir ao parque aos domingos e de repente comecei a tomar café forte com pingos de leite pra acordar direito pela manhã... 
adoeci da poesia dela e agora ela vem dizer que quer viver. Que prefere drinks e conhaque ao invés da cerveja de trigo. Que chocolate só se for meio amargo porque doce demais enjoa. Que precisa de tempo pros amigos. Que flores lhe dão alergia. Que quer realizar seus planos, seus sonhos, seus projetos... toda cheia de si e de humor e de sorrisos e de um amor que eu não conhecia. Quer viver, inventando novas maneiras de passar os dias como se as lembranças não passassem de frases soltas, perdidas na memória. 
E eu fiquei me perguntando quando foi que eu deixei de ser o remédio dela, em que parte do caminho a gente tomou rumos tão diferentes e como ela podia ser mais feliz assim, "curada". Sim. Eu só me perguntei. Porque eu precisava fingir, além de alegria, compreensão pela cura dela. Porque eu sabia que qualquer deslize me privaria pra sempre daquela companhia. Porque ela ficou mais bonita. E porque, no fundo, meu egoísmo só pedia uma coisa: que ela adoecesse outra vez...