domingo, 24 de junho de 2012

.enquanto isso, o frio entra pela fresta da porta.

“Só eu cheguei até aqui, Bisa. Porque dancei”

Cristiane Lisbôa

Da janela de um inverno que queria mais é ser primavera, a vida passava lentamente como nas fotografias desbotadas no fundo da gaveta. Não havia mais o que dizer e ele sabia que dessa vez não era apenas um deslize. Era uma vida inteira por um fio, um copo de café transbordando prestes a entornar. Por isso aquele silêncio todo. Porque qualquer coisa que qualquer um dissesse viraria uma tempestade que alagaria a casa inteira e levaria embora todos os esforços das clichês 'histórias de amor'. 
"Não tem moleza, minha querida. É ir em frente ou fechar os olhos de dentro, torcendo para doer devagar". Como nas tarde de chá de maçã com canela, observando da varanda dos fundos a serra branquinha de neblina, o tempo correndo lento, os ombros leves, a sensação de que um ciclo estava fechando para só então inventar um novo começo. Que poderia ou não funcionar. Pagar pra ver. Ou desistir ali mesmo, antes de anoitecer.
Poderiam, talvez, escolher uma canção bonita, para chamar de 'nossa' e cantar toda vez que acontecesse algo de bom e, quando tudo ameaçasse desmoronar, lembrassem ao menos da melodia e tivessem, assim, uma suave sensação de nem-tudo-está-perdido-nesse-nosso-mundo. 
(...)
Algumas coisas na vida, no entanto, não se explica com razões prontas nem com frases compostas. "E se a gente chegou no ponto que está, é porque em alguma parte do caminho alguém tomou um atalho e  desviou o rumo, perdendo completamente a direção".
Seja lá o que fosse, às vezes dava a impressão de que não tinha mais tempo. E o sentimento parecia mais uma dança torta, uma melodia em ré, enquanto um ressoava bemol e o outro escrevia sustenido...

domingo, 17 de junho de 2012

Eu não sei dançar

Você tinha nas mãos, todas as maneiras para mudar meu caminho inteiro. Mas do contrário, você preferiu dançar. E eu, que não sabia um passo sequer do teu compasso, amanheci outono, enquanto pra você ainda era carnaval. “Acorda menina. A solidão só é bonita acompanhada de chá preto, paredes amarelas e canções antigas do Chico ou Elis”. Mas você não gostava de chá nem de Elis nem de MPB e o semblante da depressão sempre lhe caiu muito bem. Por isso eu desisti, ou ao menos deveria. Pegar o que ainda restava da minha alegria e preparar nossa despedida com direito a cartas rasgadas e recados grosseiros de “até nunca mais”. Mas minha maior fraqueza é o teu sorriso, esse seu jeito de não saber sambar e de escrever a vida como se ela realmente tivesse tradução. E se eu levasse jeito, até te transformaria em canção, que é pra você não sumir de mim nunca mais. E se adiantasse, te daria pincel e aquarela, só pro teu dia não amanhecer mais cinza. E se... se você tivesse atendido o telefone na semana passada, talvez hoje seria tudo diferente...

segunda-feira, 4 de junho de 2012

.enquanto ela se perde por aí, eu a espero telefonar.

O que mais me intrigava era a capacidade que ela tinha de sumir, sempre que meu coração se colocava a um passo de se entregar. Talvez por medo de se encontrar em mim ou sei lá, insegurança mesmo. No fundo, eu desejava muito que o telefone tocasse. E que, do outro lado, alguém dissesse "hey. eu gostei de você e do quanto seu sorriso combina com o meu. e tudo mais na nossa vida". Mas as coisas não são como a gente espera, não é mesmo? Ela deve ter alguém em outro lugar e eu vou compreender que não precise mesmo de um cara como eu... que não sabe resolver os próprios problemas, não sabe falar de coisas legais por muito tempo e só é agradável depois de duas ou três cervejas. Sei lá. Talvez nem tenha jeito mesmo das coisas serem de outra maneira e eu sinto muito porque seria bom se ela ficasse. Ou se não puder mesmo ficar pra sempre, seria bom se ela aparecesse vez ou outra. Só pra me contar que o céu ficou mais azul que na manhã de ontem e que já não fazem mais invernos como antigamente. Eu vou gostar dela mesmo assim. Arrisco dizer até que já gosto. Mesmo com os sumiços, as estranhezas e a serenidade. Mesmo que, às vezes, ela se esforce tanto em parecer uma pessoa comum... e eu me esforce também para conseguir vê-la assim...