domingo, 20 de maio de 2012

Um chá.

Pintou o rosto, vestiu um vestido azul (o mais bonito), agasalhou os pés com polainas e o pescoço com um cachecol antigo, que a vó tinha feito antes de morrer. Saiu. A noite era fria, as pessoas sorriam e viviam suas vidas com fervor e, outra vez, ela seguia sem ter pra onde... ir, correr, fugir, se fosse preciso. E faltava força, coragem, certeza e o poder de dissolver as confusões e crises que ela carregava pesando os ombros, desde anteontem. Mas no fim, não era nada que uma ou duas taças de vinho não resolvessem naquela noite de estomago e coração vazio...


(...) Da mais alta janela, de uma noite cheia de degraus, não importava mais hora nem tempo nem sobriedade. Falou de si, do mundo, da dor, do vicio, do cigarro e (desculpe a rima) do amor. Esqueceu o medo de altura e as vertigens. Esqueceu o frio e o sono e o trânsito e os sinais vermelhos e as faixas verdes e o silêncio. Da mais alta janela, que nem tão alta era, a vida parecia ir de encontro a si mesma, sem fazer o minimo de esforço, sem sequer perceber...


(...) Estava velha sim e o álcool, ao invés de lhe dar euforia, devolvia sono em dobro. Suspender o uso dos calmantes talvez resolvesse. Será? Preferiu não arriscar. Era melhor passar o resto da vida dormindo do que acordada e sem paz. Era vicio sim. Mas quem iria imaginar que se viciaria em fitoterápicos manipulados com essencias de maracujá misturado a camomila e valeriana? Quem? 

(...) Desrregulada outra vez, perdeu o sono durante a madrugada e perdeu a hora da manhã. Pensando, pensando, pensando... talvez porque pensar ajudasse a não esquecer. Talvez porque pensar, fosse a única coisa que pudesse ser feita naquele momento de sensações estranhas e alegrias encontradas, mas tão confusas! Sentimentos iguais, ideias parecidas, o tempo quase o mesmo. Tudo isso em um momento só, em que estender a mão não mataria ninguém e que apertá-la só seria proteção, carinho ou qualquer coisa que não doesse tanto, quanto já doía de antes...


(...) Se sonhou ou não, ainda não sabe. Uma semana depois, tem lembranças no lugar de realidades e uma sensação de ciclo chegando ao fim e nenhuma de recomeço. Deveria querer um abraço a essa hora do dia ou que o telefone tocasse ou que o silêncio de um céu sem estrelas deixasse de existir, ao menos por uma noite. Mas não... a vida tem dessas coisas de encontro, desencontro, insônias, memórias e sonhos desfeitos...











Um comentário:

Natália Oliveira disse...

Ler este texto foi como os velhos tempos em que sentavamos num banco da praça da Liberdade e tínhamos longas conversas sobre a vida. Eu consigo identificar cada momento desse texto, ainda que eles não tenham sido reais, existem de alguma forma na minha cabeça. Foi bom ter te reencontrado na vida e retomar essa amizade, pequena. Vou vir aqui mais vezes. beijos