quinta-feira, 30 de junho de 2011

Espiando a vida passar por entre os dedos...

... eu tinha medo de que as dores que ela dizia sentir, já fossem sintomas da idade.
Corri no jardim, aguei as rosas, lavei a louça todinha do almoço, coei café, amassei e assei uns pães de queijo, pois sabia que ela sentiria fome ao acordar.
Por mais que aquilo tudo fosse muito triste (e eu sabia que era pois os olhos dela ficavam cada vez mais claros e verdes e isso só acontece ou quando ela chora ou quando ela entristece), eu adorava seus sorrisos, até os de canto de rosto dos quais não se via nem um pedacinho dos dentes mas percebia-se um levitar sutil de sobrancelhas e um esforço danado pra que não machucasse...
Ela estava se deixando morrer, era verdade...
E só não cortara ainda os pulsos, porque parecia agressivo demais perder todas as alegrias possíveis da vida assim, conscientemente. Porque a vida ainda reservava momentos felizes por mais que eles às vezes lhe parecessem distantes, como os pontinhos brilhantes que Deus espalhou no céu e que a gente daqui de baixo chama insistentemente de estrelas...
Um dia ela me disse que tinha hora que queria mesmo é trocar de vida, só um pouquinho, pra não envelhecer tanto nem continuar esmurecendo... aí ela pegava uma xícara grande, enchia de café bem quente, pingava um pouquinho de leite pra clarear e amenizar as amarguras do grãozinho preto, e ia tomando aos pouquinhos, bem devagar, até o café esfriar e ela entender que por mais que a vida não fosse passar daqueles momentos simples, era isso que ela tinha e por mais que esgotassem os ânimos, era mais perigoso se entregar. 


Não desisti por nem um minuto, por mais que ela às vezes acordasse irritada, dizendo não querer ver ninguém. Aí eu ficava de 'tocaia' na porta da cozinha, lendo um livro, atento,  só espiando, pois sabia que logo logo, ela sentiria saudade e eu precisaria estar lá, pronto pra segurar todas as barras daquela solidão...
Nunca lhe pedi que não chorasse, nunca lhe disse pra não sofrer porque essas são as típicas coisas, que a gente não controla nem impede de existir... apenas ameniza com um sorriso, um abraço ou um momento de companhia, mesmo que em silêncio.


Eu perdi o medo das dores dela, quando entendi que aquilo tudo, era uma pausa, um suspiro e um alívio. E eu só entendi a solidão dela, quando descobri sua inabilidade de lidar com o mundo e suas interferências externas, que ela descobrira já muito tarde. E eu só fiquei do lado dela, porque no universo inteiro, talvez nunca tenha encontrado tamanha docilidade e sensibilidade...
Eu dizia que ela não era daquele planeta... aí então ela sorria e a gente se esquecia de sofrer...

Sim...

"Poderíamos casar, teríamos um apartamento, tomaríamos café as cinco da tarde, discordaríamos quanto a cor das cortinas, não arrumaríamos a cama diariamente, a geladeira seria repleta de congelados e coca-cola, o armário, de porcarias, adiaríamos o despertador umas trinta vezes, sentaríamos na sala de pijama e pantufas, sairíamos pra jantar em dia de chuva e chegaríamos encharcados, nos beijaríamos no meio de alguma frase, você pegaria no sono com a mão no meu cabelo e eu, escutando sua respiração. Eu riria sem motivo e você perguntaria porque, eu não responderia, saberíamos."
.Caio Fernando Abreu

domingo, 19 de junho de 2011

...

Acho que sem saber, a moça Vanessa escreveu esse texto pra mim...

é tempo



'é tempo, eles sabem.
Tempo da pedra esforçar-se e florar,
tempo do desassossego ter um pulso.
É tempo, que seja tempo.
É tempo.'
|Paul Celan|


Ontem à tarde eu chorei. De frente pro mar. Chorei porque o processo pelo qual me tornei mulher é espantoso e diria também doloroso. Porque era uma criança perdida carregada por uma fé de mulher, não mais aquela fé cega de criança. Chorei porque ver a verdade dói diferente. Carregava uma flor de mal me quer e pensava quantos mal me quer existe em uma flor? Até quando vou ter que espichar pra descobrir o que existe do lado de lá? E será que existe? Chorei porque por quarenta minutos, não conseguia mais acreditar e adoro acreditar. Chorei porque perdi minha parte sensível em alguma praia deserta que ainda não foi descoberta e fica lá sozinha esperando encontrá-la de novo. 'Chorei porque daqui em diante chorarei menos. Chorei porque perdi minha dor e ainda não estou acostumada à ausência dela.'

Há mais perigos dentro do que fora de mim, é sempre esse mistério, o dentro de cada um. E suponho que assim sempre será. Sempre inacabada, pra sempre ter essa outra parte que me chama. Me sacode e me faz erguer a vida num chute ou então costurá-la àqueles pedaços rasgados. Dando ponto aqui pra fechá-lo mais adiante. Vou sempre descalça, pisando com leveza, olhando com cuidado.

Permiti o choro para poder fluir, não que soubesse que isso realmente aconteceria. Mas para sentir que alguém me ouviria. As coisas são como estão e não há choro que mude isso. Aliás, desconheço qualquer forma rápida de cura. É preciso consciência das coisas, viver é trabalhoso e muitas vezes me atrapalho toda. É um choro que dura alguns minutos, eu me rendo a ele. É aprendizado, lembrança. Nuvens sempre passam, momentos chuvosos também. É pensamento divino.

Na verdade era só um acordar da alma. Não acredito em botões mágicos nem em choros revitalizantes. Eu acredito em fé, em vontade de mudar, de crescer, de fazer de novo ou de fazer-se novo.
 
|vanessa leonardi| 
 

*em itálico,Anaïs Nin, Henry e June - Diários não-expurgados (1931-32); trad. Rosane Pinto
imagem: Liniers
 

quarta-feira, 15 de junho de 2011

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E a gente aprende com a vida que existem as diferenças e passa a respeitar até as manias mais estranhas de quem nos ajuda a reaprender a sorrir... o nome disso é amor e sua vontade de existir e resistir todos os dias...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sobre o dia amanhecer em neblina...


Parou na escada antes do portão, a neblina recobrindo os telhados de maneira que não se podia ver quase nada. As pessoas passando agasalhadas e encolhidas se protegendo do frio, fumacinhas saindo das conversas como quando era criança e brincava de soprar só pra vê-las flutuando e desaparecendo no ar em frações de segundos...
Comparar a vida com aquela manhã seria basicamente dizer que tudo estava tão embaçado por dentro quanto o céu do qual não se podia ver nenhum pedacinho de azul. Mas diria, entretanto e porém, que de embaçado mesmo só as vistas, atrapalhadas pelos seus pouco-mais-de-3-graus-de-miopia-nos-dois-olhos, que a possibilitavam ver apenas 60% das cores externas do mundo, porque as internas a gente enxerga é com o coração e esse, anda bem, sem nenhum arranhão ou tropeços.

De toda forma, não dava mais para esperar o tempo desfazer as “embaçosidades” dessa manhã de fim de outono seco e frio... foi caminhando lenta para o trabalho, enquanto umas pontinhas de sol se esforçavam em devolver as cores para o dia. O vento lhe cortava o rosto, os resquícios da chuva da última noite ainda ocupavam as calçadas e a rua. O dia era novo e mesmo sem saber fazer poesia, tirava-se bons sorrisos das lembranças e fazia-se a vida em cor outra vez...

terça-feira, 7 de junho de 2011

domingo, 5 de junho de 2011

E se?

Teriam passado desapercebidas, um monte de coisas bonitas se a gente não tivesse encontrado o tempo certo de dar as mãos e seguir em frente...
E eu sei que teria sido diferente...
se você não tivesse faltado trabalho pra acompanhar um amigo no hospital e se uma semana depois, eu não tivesse ligado pra você e largado tudo que estava fazendo para ir te encontrar cheio de gripe em um consultório médico que eu nem sabia como chegar; 
se você não tivesse trocado as noites de sexta e sábado em um bar ou em uma festa qualquer, pra cuidar dos meus medos, da minha solidão, das minhas tristezas e até da minha fome;
se a gente não tivesse aprendido que as pessoas grandes precisam ouvir também e que mesmo já crescidas, ainda tem muito o que aprender umas com as outras.
Teria sido diferente...
se você não tivesse encarado duas horas em um ônibus num domingo de manhã pra almoçar com um monte de gente que você não conhecia (mas que são importantes pra mim) te enchendo de perguntas e falando mais do que a gente consegue ouvir;
se você tivesse ficado com vergonha da minha falta de jeito embaraçosa e tivesse me escondido suas maiores riquezas (seus melhores amigos e sua casa azul com as pessoas bonitas lá de dentro);
se a gente não tivesse aprendido que, mesmo eu não gostando de azeite, camarão, peixe cru e mais um monte de coisas, a vida estava certa quando resolveu que a gente tinha que dar um jeito de encontrar nas diferenças, uma maneira de ser companhia pro outro, pro resto da vida...

e eu não sei muito bem contar quanto tempo faz, já que andam dizendo por aí que o amor é feito mais nos detalhes e nos exemplos, do que nas medidas e explicações... 
mas eu sei que esse tempo todo, teria sido muito diferente se você não tivesse chegado na hora certa.
Ee eu agradeço por isso todos os dias...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

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"(...) Quero devolver só se você lembrar 
A cor que mais gostei de te ver usar (...)"