quarta-feira, 2 de março de 2011

Calma.

Pegou a xícara com as duas mãos, toda cuidadosa, pra não deixar cair nem quebrar. Pequenos goles de chá esquentavam e acalmavam sua alma, resfriada pelo mal tempo lá de fora, calejada pelas indelicadezas de dentro. Era camomila. E ela, que nunca gostou muito de chá, via em cada gotinha uma esperança de sarar suas inquietações. Calmante não podia... o médico dispensara qualquer remédio, pois um pequeno deslize poderia corroer sua vida inteira. Aí optou pelas coisas naturais... meditação, música, chá, estrelas, espiritismo, floral-20-gotas-por-dia-a-cada-12-horas. Essas coisas todas que só funcionam com muita fé e paciência. Ah, e persistência, coisa pouca que ela quase não tinha, desde criança. Ouvia mãe dizer várias vezes que nunca conseguiria nada, já que nunca terminava as coisas que começava. Foi assim com a meditação, os cursos de doces, as aulas de violino, de pintura, de desenho e de corte-costura, entre tantas outras coisas que sem nem ter um porquê exato, abandonara em plena metade. Quase como covardia. Ou vai ver, inocencia mesmo, nada proposital. Impensado, sempre sem intenção de ferir. Porque já foi cortada, sangrada (no sentido figurado, claro) covardemente tantas vezes, que foi se tornando incapaz de deixar cicatrizes em alguém, simplesmente por saber da dor. Chegaria a cortar os próprios pulsos, mas nunca machucaria ninguém. Foi crescendo assim... essa coisa frágil, pequena, boba até. Meio cabisbaixa, meio silenciosa, sem se impor demais, pra não causar impacto nem chamar muita atenção.

Hoje, anda competindo com os monstros internos e os externos, sem saber muito bem quais os mais perigosos, mas consciente de que a qualquer momento tudo vai acabar, e devolver a paciência, graça e delicadeza que ela sempre teve. “É esse lugar mãe, que suga a alma das pessoas aos poucos. São as pessoas mãe, já com suas almas sugadas, tentando se encontrar no reflexo do outro. É desassossego demais, demais!”. Dizia sem perceber que é dentro... respira, auto-controle, mais um chá, aumenta-30-gotas-de-floral-pra-de-6-em-6-horas, vai ficar tudo bem, vai passar, respira outra vez, Chico canta “as águas de março fechando o verão” enquanto ela espera com ânsia a chegada do outono.

7 comentários:

Natália Zamboni disse...

Texto lindo, verdadeiro e doce, como sempre. Tenha forças, que eu sei que você vai passar por tudo isso ilesa. As tais pessoas com almas sugadas estão por toda parte, o que acontece é que, de vez em quando, nos deparamos com muitas ao mesmo tempo. Faz parte da vida. O importante é nunca perder a leveza e doçura natural, que eu sei que você tem de sobra. Amo-te. :)

Liv Milla disse...

Eu nem sei o que dizer, diante de palavras tão singelas...
Tenha força!
E jamais deixe de acreditar na sua força...
Uma vez me disseram que quando a gente se sente mais fraco é que ficamos mais fortes! Desde então eu tento me basear nisso quando me sinto triste...
Fique bem!
Bjs

Dani Gláucia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Dani Gláucia disse...

Alguém me perguntou um dia porque gosto tanto de ler editorais. Eu respondi que gosto de tentar desvendar o caminho que o autor trilhou para conceber a idéia compartilhada, mas confesso que os que mais me encantam são os que eu não consigo desvendar.
Você é uma das autoras que me deixa, por vezes, sem palavras. E sem conseguir entender de onde surgiu tanta genialidade sigo sem acreditar que o próximo post poderá superar o atual, no entanto, cada vez que venho aqui me deparo com mais uma produção fabulosa (e não existe outro nome para caracterizar seus posts). Você é maravilhosa e nasceu para tocar nossas almas com sua sensibilidade e tornar nossos dias menos ardilosos compartilhando conosco todo esse amor que carrega consigo e contagia os que estão ao seu lado.
Beju lindaaaa!!!

Levy Vargas disse...

Débora, hoje você figura entre meus escritores favoritos... !

Anna Júlia disse...

A sensibilidade e simplicidade, a maneira como as palavras fluem por si só de uma forma leve mas ao mesmo tempo muito tocante me instiga cada dia a ler-te mais!

Nelio Souto disse...

minha escritora favorita.